Mito de Clarice Lispector se agiganta tanto quanto os romances que escreveu
A escritora de vanguarda brasileira Clarice Lispector (1920-77) é pouco conhecida nos Estados Unidos, onde apenas um punhado de seus muitos livros foi traduzido, mas em casa ela é realeza literária, queimando na memória coletiva como uma chama eterna levemente sinistra.
O rosto de Lispector está em selos e o seu nome adorna condomínios de luxo. Incontáveis livros foram escritos sobre ela, e dezenas de apresentações teatrais foram baseadas em sua obra. Podem-se comprar os livros em máquinas no metrô.
“O primeiro nome é suficiente para identificá-la a brasileiros estudados”, escreve Benjamin Moser em “Why This World: A Biography of Clarice Lispector” (em português, “Clarice,”, editado pela Cosacnaify).
O mito de Clarice se agiganta tanto quanto o que ela escreveu. Seu nome incomum fez com que soasse como uma espiã. Os olhos e ossos do rosto elevados levaram as pessoas a compará-la a uma loba ou uma pantera. Para o tradutor Gregory Rabassa, Lispector “parecia com Marlene Dietrich e escrevia como Virginia Woolf”.
Porque Lispector brilhou nos holofotes, e porque se casou com um diplomata aos 22 anos e passou quase duas décadas fora do Brasil, rumores sobre ela brotam para encher o vácuo.
Alguns pensavam que era um homem escrevendo sob um pseudônimo. O interesse pelo oculto (ela teve um hábito duradouro de consultar astrólogos e cartomantes) levaram as pessoas a se referir a ela como “a grande bruxa da literatura brasileira”. Também era chamada de monstro sagrado. Mais tarde queimou a mão direita em um incêndio no seu apartamento, e o membro ficou parecido com uma garra negra.
A escrita de Lispector era fora do comum como ela. Seus romances e contos carecem de tramas identificáveis, e são relatados em linguagem impressionista. Têm uma qualidade assombrada e interior que vai na contramão da literatura brasileira contemporânea. A poeta Elizabeth Bishop, que traduziu alguns contos de Clarice, escreveu para amigos: “Acho que ela é melhor que J.L. Borges – que é bom, mas não tão bom assim!”
Esse é um material biográfico rico que fica mais rico enquanto Moser, tradutor e crítico da Harper’s Magazine, começa a descascar as camadas de sua vida complicada. “Clarice,” nos suga – por longos períodos, pelo menos – até o turbilhão estranho do sujeito.
Clarice Lispector na verdade nasceu na Ucrânia e tinha pais judeus. O nome de batismo era Chaya Pinkhasovna Lispector. A família fugiu dos atos de violência em massa russos depois da Primeira Guerra Mundial, quando Clarice era um bebê. Tiveram sorte de escapar, mas não saíram ilesos. A mãe de Clarice foi estuprada por soldados russos e contraiu sífilis.
A família imigrou para o Recife, cidade do nordeste brasileiro. Quando Clarice tinha 9 anos, a mãe morreu de sífilis. Lispector e as duas irmãs foram criadas pelo pai, que um dia se mudou com a família para o Rio de Janeiro. Ele era um homem gentil e inteligente com nenhum talento para ganhar a vida. Ganhava dinheiro vendendo produtos baratos na rua, e fazendo e vendendo sabão.
Aos 13 anos, depois de ler o romance “O lobo da estepe” de Hermann Hesse, Lispector decidiu que queria ser escritora. Depois de se formar em uma faculdade de direito de prestígio no Brasil, trabalhou como jornalista e começou a publicar contos em revistas pequenas.
O primeiro romance, “Perto do coração selvagem”, foi lançado em 1943 e se tornou uma sensação da crítica. Um crítico o chamou de “maior romance que uma mulher escreveu na língua portuguesa”. O estilo de fluxo de consciência do romance levou os críticos a cotejar Clarice com Joyce e Woolf, escritores que ela ainda estava por ler.
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