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Mãe conta em livro as dificuldades e conquistas do filho autista de 32 anos
0Juliana Vines na Folha de S.Paulo
A empresária Dalva Tabachi, 65, tem quatro filhos. O mais velho, Ricardo, 32, tem autismo e só começou a falar aos cinco anos. Hoje ele trabalha com a mãe na confecção da família, no Rio, toca violão e vai ao cinema com uma amiga. Tudo, segundo Dalva, com muito esforço.
Em 2006, com base em anotações do dia a dia do filho, ela lançou o livro “Mãe, me ensina a conversar” (Rocco, 96 págs., R$ 20). Agora lança o segundo livro, “Mãe, eu tenho direito!”.
Leia o depoimento dela.
*
Percebemos que o Ricardo tinha algum problema com três anos. Ele não falava nada, só repetia “bola, bola, bola”. Ficava isolado, não brincava com outras crianças.
Fomos ao pediatra, à psicóloga, à fonoaudióloga. Naquela época, ninguém sabia o que era autismo. Quando eu perguntava o que meu filho tinha, diziam: “Ah, esquece isso”. Falavam que ele ia ficar bom.

Dalva Tabachi, 62, e seu filho Ricardo, 32
Mas até o Ricardo ter 12 anos foi horrível. Ele era bem comprometido. Ficava fazendo “hummm” continuamente. Quando ficava nervoso, pulava e se mordia.
A gente sofria preconceito. Quando ele tinha dez anos, em uma viagem de avião, um passageiro pediu que o tirassem do voo, porque ele não ficava quieto, gritava. Com 18 anos, fomos a uma neurologista e perguntei: “Afinal, o que ele tem?”. Autismo.
Nessa época ele já estava bem melhor. Tudo com muito esforço, muito choro. Corri atrás de tudo. O que ele podia fazer, fez: aula particular, fonoaudióloga, psicóloga, violão, natação. Não desistimos. Ele tem três irmãos mais novos que sempre o puxavam para a realidade, não deixavam que ele se isolasse.
Quem vê o Ricardo hoje não acredita. Ele fala muito. Claro que ainda tem traços de autismo, o pior deles é a repetição. Ele repete a mesma coisa dez, 20 vezes.
Conta tudo o que comeu, diz tudo o que fez hoje e no dia anterior, avisa dez vezes quando vai dormir. Às vezes, fica remoendo coisas de anos atrás: “Por que fulano puxou a minha orelha um dia?”.
Ele não se acerta com números –não entende que duas notas de 20 e quatro de dez são a mesma coisa– e não entende muito bem o que é quente ou frio: usa blusas no calor, liga o ar-condicionado no frio.
ANDAR SOZINHO
Ele nunca fica sozinho. Não tem como. Tenho uma empregada que mora em casa. Ele espera meu marido e eu até para escovar os dentes, porque tinha mania de escovar tanto que já estava se machucando. Quando demoramos para chegar em casa, ele liga: “Onde vocês estão? Preciso passar fio dental.”
A minha maior preocupação é quem vai cuidar do Ricardo no futuro. Já faz muito tempo que penso nisso. Fiquei muito angustiada quando um dos meus filhos se casou. Os irmãos dizem que vão cuidar dele, mas sempre penso que tenho que viver muito. E, para isso, me cuido.
Eu nado no time master do Flamengo, não sou gorda e não como gordura. Tenho que ficar boa, não posso ficar doente. Sempre que vejo um casal sozinho com um filho autista penso: quem vai cuidar dessa criança no futuro?
O Ricardo melhora a cada dia. Ele toca violão direitinho, participa de competições de natação, vai ao cinema todos os sábados e adora ouvir música aos domingos.
Tudo o que ele sabe foi ensinado. A fonoaudióloga explicava o que era o teto, o chão, o nome das coisas.
Ele tem uma memória incrível. Se você disser que hoje é seu aniversário, ele vai lembrar daqui a meses e vai dizer: no ano que vem vai ser numa quinta-feira, porque neste ano foi na quarta.
Antes ele não entrava nas conversas, hoje já puxa papo. Sempre falando uma besteira, o que ele comeu no almoço. Eu o repreendo, digo que não é assim que conversa, e ele pede: “Mãe, me ensina a conversar”. Esse foi o título do meu primeiro livro.
O segundo livro se chama “Mãe, eu tenho direito!”, porque mais recentemente ele aprendeu a dizer não, a reclamar. Eu digo para ele não comer alguma coisa e ele repete: “Eu tenho direito!”.
O que mais dá trabalho hoje é comida. Ele é compulsivo. Na adolescência, engordou. Colocamos ele de dieta e ele emagreceu 18 quilos.
Hoje, o Ricardo trabalha no escritório comigo, atendendo o telefone. No começo, quando ligavam perguntando por mim, ele respondia: “Ela está fazendo xixi.”
Ele é supersincero. E não tem muito tato. Quando o avô morreu, saiu gritando “o vovozinho morreu”, como se anunciasse um nascimento.
Depois de adolescente, nunca vi o Ricardo chorar. Isso me preocupa às vezes, mas depois penso que ele não tem por que ficar triste, tem tudo o que precisa. Todos gostam dele, ele é muito carismático.
Às vezes fico cansada, principalmente quando ele repete coisas demais. Mas desanimar, não. Se ele chegou onde chegou foi porque não desistimos.
MÃE, EU TENHO DIREITO! – CONVIVENDO COM O AUTISTA ADULTO
AUTORA Dalva Tabachi
EDITORA Rocco
PREÇO R$ 24,50 (144 págs.)
dica do Chicco Sal
Concurso Cultural Literário (35)
20A extraordinária recriação da aventura de Peter Pan, traduzida para o universo adulto por Régis Loisel, chega à sua conclusão neste terceiro volume pela editora Nemo. Peter Pan, o líder dos seres imaginários da Terra do Nunca, continua sua vitoriosa luta contra os piratas do Capitão Gancho. Mas, em suas rápidas visitas à Londres dos tempos de Jack, o Estripador, o menino que não quer crescer volta a se deparar com alguns fatos inevitáveis de nossa existência. Uma HQ bela e imperdível, uma história fantástica e profundamente humana, sobre imaginação e realidade, desilusões e esperança.
Vamos sortear 2 exemplares da HQ “Peter Pan – Vol. 3“, um superlançamento para enlouquecer os fãs de histórias em quadrinhos.
Para participar é só completar: “Se eu pudesse voltar a ser criança…” (use no máximo 2 linhas).
Se for usar o Facebook, por gentileza deixe seu email de contato.
O resultado será divulgado dia 25/11 às 17h30 nesse post e também no nosso perfil do twitter: @livrosepessoas.
Participe! 😉
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Parabéns aos ganhadores: Renan Nascimento e Livia =)
Por gentileza enviar seus dados completos para [email protected] em até 48 horas.
As bicicletas na literatura e na (por vezes trágica) vida real
0Publicado em O Globo
O jornal espanhol El País publicou nesta segunda-feira um texto do escritor Antonio Muñoz Molina, membro da Real Academia Española, sobre ciclistas. Molina começa falando sobre a presença das bicicletas nas artes, na literatura, no cinema (pra música não ficar de fora, coloquei um vídeo bacaninha de “Bike”, do Pink Floyd, ali embaixo). Depois, passa a relatar um triste caso de atropelamento recentemente ocorrido em Madrid. Acho que os comentários dele sobre o trânsito e o sistema judiciário espanhol vão ressoar nos corações dos leitores brasileiros.
“A bicicleta é uma máquina tão literária que recém-inventada já começou a circular pelos livros. Relendo “Misericórdia”, descobri algo que não lembrava desse romance assombroso, publicado em 1897: um dos personagens aluga uma bicicleta para ir de Madrid ao Pardo. Na Madrid de subúrbios macabros e personagens desgarrados de Valle-Inclán, essa bicicleta insuspeita é um sobressalto ágil da vida moderna em meio ao atraso, obscurantismo, injustiça crua e pobreza. Quem quiser saber mais sobre ela, pode imaginá-la elevada e veloz, democrática, futurista, circulando entre carroças lentas e carruagens arrogantes da aristocracia.
Marcel Proust via fraqueza em todas as formas de transporte moderno, em particular os automóveis e os aviões, mas quando quis retratar a primeira visão das “jovens em flor” que deslumbram um adolescente durante um passeio marítimo as descreveu montadas em bicicletas, avançando em bandos com os vestidos desportivos livres de adornos barrocos e espartilhos que permitiram que as mulheres adotassem o hábito do ciclismo na virada do século.
H. G. Wells observou que cada vez que via um adulto em cima de uma bicicleta crescia sua confiança na possibilidade de um mundo melhor.
Há relatos de que Henry James tentou aprender a pedalar, mas com consequências desastrosas. Se lançou por uma estrada rural e perdeu o controle da bicicleta, atropelando, sem gravidade, uma menina que brincava na porteira de uma fazenda. Que essa menina tenha se tornado Agatha Christie é dessas coincidências que assombram os aficcionados da literatura e do ciclismo.
Ramón Casas gostava de sugerir um erotismo moderno nas mulheres ciclistas, mulheres em automóveis, mulheres fumantes. Em um de seus melhores contos escritos em espanhol, e também um dos mais tristes, “La cara de la desgracia”, Juan Carlos Onetti toma de Proust o tema do verão e da mulher na bicicleta. Mas quem a vê passar de um balcão é um homem desolado que graças a ela revive, desfazendo-se em desejo e ternura.
Uma figura numa bicicleta é passageira, mas não tão rápida que seja também fugaz. A verticalidade necessária favorece o perfil. O ritmo da pedalada ressalta a beleza das pernas.
O ápice da arte inspirada em torno das bicicletas talvez seja um curta de François Truffaut de 1957, “Les mistons”, um poema visual de 17 minutos feito de longos planos sinuosos de uma mulher muito jovem, a atriz Bernadette Lafont, pedalando descalça, as pernas nuas, o vestido branco agitado pela brisa da velocidade.
A bicicleta é uma máquina silenciosa e perfeita, como um veleiro, tão prática que causa assombro também ser poética.
As bicicletas são para o verão, disse um pai ao filho adolescente na comédia triste na qual Fernando Fernán-Gómez pôs o melhor de seu talento e a verdade de sua memória e imaginação. Sobre o infortúnio de se crescer numa cidade em guerra e a saudade de um pai que era maior e mais nobre por, no caso de Fernando, ser um pai inventado.
O verão pode ser um modesto paraíso para os fãs das bicicletas, sobretudo para os ciclistas urbanos que lidam com o tráfego nos dias de trabalho, mas nas cidades espanholas, que com duas ou três exceções são hostis para quem se atreve a pedalar, assim como com qualquer um que tente exercer o direito soberano de caminhar de um ponto a outro. E também, desde cedo, para os lentos, os distraídos, os idosos.
Quando se volta de países com o tráfego mais civilizado, é difícil se adaptar à agressividade dos motoristas na Espanha. Nova York não é exatamente Amasterdã ou Copenhagen nas facilidades que oferece aos ciclistas, mas quando venho de lá para Madrid e saio na rua, me imponho uma mudança instintiva de atitude.
É preciso estar muito mais alerta, na defensiva, atento sempre a acelerações bruscas. É preciso acostumar-se ao fato de que a visível fragilidade raramente gera maior cuidado – alguns motoristas se tornam ainda mais agressivos contra os mais frágeis, como se despertasse neles uma impaciência que leva a acelerar sobre a faixa de pedestres, ou deixa passar quem vai mais lento contendo o impulso do motor como quem trinca os dentes. Como se caminhar lentamente fosse uma ofensa que merece o desprezo e punições ocasionais.
Às 7h, hora do frescor da manhã, no silêncio das ruas amplas e vazias nas quais alguém pode pedalar com mais velocidade, também pode acontecer o choque. As bicicletas são para o verão, para o exercício saudável e a mobilidade sem emissões tóxicas, mas não têm defesa contra a barbárie.
As bicicletas são para o passeio despreocupado, mas também para a ida diária ao trabalho.
Óscar Fernández Pérez, um garçom de 37 anos, ia para o sul de Madrid na quarta-feira, 6 de agosto, quando foi atropelado por um motorista que fugiu e o deixou agonizando na rua. Óscar Fernández Pérez está morto e o infeliz que o matou não tem motivos para preocupação.
Em 2012 foi preso por dirigir bêbado, de forma “negligente e temerária”, e lhe tomaram a carteira. Mas em fevereiro desse ano já havia voltado a conduzir. Com esse histórico, e tendo fugido depois de matar um ciclista, era de se esperar que a justiça o tratasse com algum rigor. Mas em nosso país as leis e o sistema judicial quase sempre protegem os poderosos contra os mais frágeis, os corruptos contra os honrados, os bárbaros contra as pessoas afáveis, os motoristas contra os ciclistas ou pedestres.
O golpe que matou Óscar Fernández Pérez foi tão forte que sua bicicleta despedaçada voou a 15 metros do seu corpo. Mas o juiz considerou que o motorista sem carteira que o atropelou e não teve sequer a compaixão de parar para ajudá-lo merece se defender em liberdade. Ele foi denunciado por homicídio culposo, por imprudência. A pena por acabar com uma vida é de um a quatro anos.
José Javier Fernández Pérez, irmão de Óscar, resumou o caso melhor que ninguém, com poucas palavras, muito verdadeiras: “A justiça é uma merda. Matar sai muito barato nesse país”.”
Histórias adultas para crianças – e vice-versa
0O novo romance de Neil Gaiman, O oceano no fim do caminho, transita entre o público adulto e infantil com maestria
Nina Finco e Luís Antõnio Giron, na Época
As forças sobrenaturais liberadas pelo suicídio de um inquilino no carro da família de um garotinho de 7 anos atrai um espírito predador de seres humanos. O menino precisa da ajuda das mulheres da família Hempstock, que moram no final da rua, para se livrar da confusão. A mais velha delas diz ser mais antiga que o próprio Big Bang. Tais eventos acontecidos na década de 1970 são relembrados pelo garoto já quando adulto, em uma visita nostálgica ao condado de Sussex, na Inglaterra, onde viveu quando era criança.
Eis aí um bom tema para um livro de aventuras infantil. Mas O oceano no fim do caminho (editora Instrínseca, 208 páginas, R$ 24,90, tradução de Renata Pettengill), o novo romance do escritor britânico Neil Gaiman, está longe de ser uma história para crianças. É a um só tempo delicado e triste. O oceano conta com uma narrativa simples: mostra como as crianças não conseguem fugir de tudo, justamente porque são crianças. Os acontecimentos da trama captam o momento da perda da inocência e da esperança e como se pode esquecer de tudo depois. Trata-se de uma história que dialoga com a criança interior do leitor adulto.
A capacidade de unir o infantil ao adulto surgiu cedo na carreira de Neil Gaiman. No final da década de 1980, ele revolucionou o mercado das histórias em quadrinhos ao criar a série Sandman. A trama acompanha o personagem Sonho, governador do Sonhar, que interage com o universo e o mundo dos homens. Naquele tempo, nos Estados Unidos, as HQs costumavam falar sobre super-heróis e não atingiam o público adulto. Mas a onda de graphic novels britânicas trouxe ao mercado uma escola narrativa com pretensões poéticas. A novidade atraiu leitores de fora da base tradicional de fãs de quadrinhos. Logo no começo de sua carreira, Gaiman já se destacava por misturar os públicos.
Segundo o escritor Eduardo Spohr, autor dos livros de fantasia Batalha do apocalipse e Filhos do Éden (ambos publicados pela editora Record), o público adulto sente-se atraído pelas questões filosóficas apresentadas por Gaiman autor. “Ao colocar um conteúdo mais profundo na narrativa, que vai além da história em si, Gaiman torna sua obra mais fácil de ser apreciada pelos mais velhos”, afirma. Tal mistura ajudou-a superar as barreiras da fama infantilizada dos quadrinhos.
Em 2011, Grant Morrison, roteirista de quadrinhos britânico e autor de histórias premiadas como Os Invisíveis e Asilo Arkham (D.C. Comics), uma das graphic novels mais vendidas de todos os tempos, lançou Supergods. O livro une a crítica artística sobre quadrinhos de super-heróis e a história do gênero. Nele, Morrison descreve a obra de Gaiman: “A história de Sandman se expandiu tão além de suas raízes em quadrinhos de super-heróis que a obra basicamente inventou um novo gênero, na interseção de fantasia, ficção, terror e literatura.”
É na mistura de fantasia e terror que Gaiman ganha também espaço entre os mais jovens. Para o professor de produção editorial da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mário Feijó, as primeiras histórias para crianças eram de terror. “Os contos folclóricos antigos eram apavorantes e eram utilizados para ajudar as crianças a aprender a domar seus próprios medos”, afirma. Feijó afirma que Gaiman faz a mesma coisa ao usar os medos básicos do ser humano, como a morte, o abandono e a traição – todos ligados à família – como parte de suas obras. “Eles nos perseguem durante toda a vida, passando da infância à velhice. Por isso Gaiman segue ser popular, independentemente da idade dos leitores.”
O exemplo de maior sucesso entre o público infantil de Gaiman foi a publicação de Coraline (editora Rocco) em 2002. A história de uma menina que encontra uma realidade alternativa (e assustadora) na qual as pessoas possuem botões no lugar dos olhos, rendeu-lhe os prêmios de ficção científica e fantasia Hugo Award e Nebula Award por melhor romance em 2003.
De acordo com o estudioso de literatura fantástica Fabio Fernandes, usar a fantasia de diversas formas é o trunfo maior de Gaiman. “Ele habita várias esferas do fantástico. Se Sandman é um quadrinho mais voltado para o público adulto, o Livro do Cemitério (editora Rocco), que é infanto-juvenil, é uma história ao mesmo tempo de fantasmas e uma homenagem e referência direta ao Livro da selva, de Rudyard Kipling (1865-1936). Assim como Deuses Americanos e sua continuação, Os Filhos de Anansi (ambos editora. Conrad) é um estudo de uma mitologia paralela dos deuses do Velho Mundo nos Estados Unidos”, diz Fernandes. Portanto, não é possível classificar a literatura de Gaiman faz, exceto que ele escreve no território do fantástico. “E o fantástico tem muitas faces.”
Outra característica marcante da obra de Gaiman é a linguagem simples de sua narrativa. Tanto nos livros adultos como nos infanto-juvenis, ele se expressa de forma espontânea, aproximando as histórias do leitor. “Escrever fácil é muito difícil”, diz o escritor e crítico Felipe Pena, autor de Fábrica de diplomas (editora. Record). “Para traduzir a complexidade de suas histórias de forma simples, sem ser superficial, é preciso muito talento. E isso o Gaiman tem de sobra,” Quanto ao tema recorrente do temor, Pena diz que é uma questão neurológica. “O ser humano gosta de sentir medo. Ficar assustado com a ficção faz com que a gente sinta-se protegido do medo da realidade”, diz. “E é bem melhor sentir medo nos livros do que na vida real.”
Em toda sua obra, que não está presente apenas no mundo da literatura (ele já escreveu episódios para a série britânica Dr. Who e foi responsável pelo roteiro do filme A Lenda de Beowulf (Warner Bros.) de 2007), Neil Gaiman encontrou o elo entre a criança e o adulto. Ao escrever para os mais velhos, ele não se esquece dos medos infantis. Ao falar com os mais novos, ele os fascina com o terror tão conhecido por eles mesmos. O medo nunca está longe do homem. Quando adultas, as pessoas apenas se esquecem dele. Na epigrafe de O oceano no fim do caminho uma frase do ilustrador de literatura americano Maurice Sendak (1928-2012) resume a ligação entre os temores infantis e adultos: “Eu me lembro perfeitamente da minha infância… Eu sabia de coisas terríveis. Mas tinha consciência de que não deveria deixar que os adultos descobrissem que eu sabia. Eles ficariam horrorizados.”