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Aos 67 anos, ex-traficante se forma em filosofia e se torna pesquisador em saúde pública
0Ana Beatriz Rosa, no Brasil Post
Aos 67 anos, duas passagens por presídios e muitos roubos, David Norman, ex-traficante de drogas, venceu o seu maior desafio: obter um diploma na Columbia University, em Nova York.
Ele deixou o estereótipo do criminoso perigoso e agora é filósofo e pesquisador em saúde pública.
Mas a trajetória de Norman pelos becos abandonados de Harlem, bairro novaiorquino, não foi fácil. Ainda assim, ele não desistiu.
Ao Daily News, ele contou que obter o diploma foi a prova de que “perseguir os seus sonhos é sempre possível.”
O histórico de Norman é similar ao de muitas pessoas em situação de vulnerabilidade social: começou a beber aos 11 anos; antes dos 15 já injetava heroína; frequentou apenas uma única aula do ensino médio; se prostituiu para alimentar o desejo pelas drogas; foi acusado por homicídio ao esfaquear outro homem em uma briga de rua.
“Eu convivi 35 anos com o vício”, comentou.
Mas a história do ex-traficante se transformou, ironicamente, quando cumpria sua pena no sistema penitenciário. Lá, ele aprendeu hebraico e encontrou o prazer nos livros. A experiência foi tão inspiradora que ajudou Norman a articular um programa que ensina habilidades aos detentos que estão se preparando para a ressocialização após a pena.
“Eu tive momentos de clareza e fui capaz de reconhecer que tudo o que eu tinha feito até aquele momento tinha sido bastante contraproducente. Eu precisava me envolver em algumas novas atividades e ter novos comportamentos”, afirmou ao jornal americano.
Dali em diante, após sua saída em 2000, ele passou a dedicar o seu tempo a desenvolver os seus potenciais.
“Eu refleti sobre o que me levou por esse caminho e o que eu precisava fazer para não ser vítima do vício novamente.”
Ele começou a trabalhar em um hospital auxiliando outros dependentes químicos em recuperação. Depois, passou a ajudar em pesquisas na Columbia University sobre programas de saúde para as comunidades. De lá, foi aceito na Escola de Estudos Gerais da Universidade, onde Norman deu inicio aos seus estudos, mesmo sendo 40 anos mais velho do que a média dos seus colegas.
No dia de sua formatura, ele não escondeu a emoção. Além do trabalho como pesquisador, agora, ele projeta escrever um livro.
Ex-traficante vira escritora: “matei gente, era o trabalho”
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Raquel de Oliveira: “A literatura me liberou e me salvou da loucura”
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBCBrasil.com
Moradora da Rocinha, Raquel de Oliveira começou a se drogar aos seis anos e, aos nove, foi vendida pela avó a um chefe do jogo do bicho
Publicado no Terra [via BBC Brasil]
Raquel de Oliveira olha nos olhos do interlocutor e dispara palavras como balas: “matei pela primeira vez aos 15 anos”. Lembra que fazia uma entrega importante de maconha a um comprador. Ele marcara o encontro na Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro. Subiram a um apartamento pelas escadas. O dinheiro estava lá, à vista. O homem, de São Paulo, trancou a porta e guardou a chave no bolso. E a convidou a fumar um baseado, um após o outro. “Ele queria me deixar tonta e abusar de mim”, diz ela.
Oliveira se drogava desde aos seis anos com cola de sapateiro e maconha, e na Rocinha era conhecida pela sua capacidade de fumar a erva sem perder a consciência. “Ele veio para cima e eu não estava tonta”, afirma. Ela diz que a faca que a salvou estava sobre uma mesa velha, ao lado de vários objetos. “Deixei-o lá, morto.”
Seu “padrinho” era um chefe do jogo do bicho, e quando a viu voltar com o dinheiro e a droga, com uma camisa de outra pessoa, percebeu o que havia ocorrido. E ficou nervoso com ela. Mandou um de seus capangas vigiar a entrada da cena do crime, para descobrir se alguém havia visto algo. E ela deveria levar comida para ele, como castigo.
O corpo foi encontrado três dias depois, pelo odor da decomposição. Outro homicídio sem solução no Rio.
Raquel nega ter sentido remorso. “Nada, porque foi a mesma coisa de sempre: alguém querendo abusar de mim”, afirma à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC. “E eu ainda era virgem.”
Ela hoje tem 54 anos e é escritora. Encaminhou sua vida após deixar o mundo da bandidagem e já soma dez anos em tratamento contra a dependência de cocaína. “Meu vício era muito cruel. Ia tomar uma cerveja e passava três dias na rua. Voltava do trabalho e não conseguia chegar em casa. Às vezes tinha que mandar um recado a meus filhos para que viessem pegar meu dinheiro, senão eu acabava com tudo.”

Oliveira com os dois filhos, na época em que vivia no mundo do tráfico: “Parece até que fui outra pessoa”
Foto: Arquivo pessoal
Trabalhou como camareira em um hotel, em restaurantes de Copacabana, como recepcionista de imobiliária e secretária. Completou o ensino médio e graduou-se em pedagogia no ano passado. Também já escreveu poesia e contos.
Seu livro mais recente é A Número Um (Editora Casa da Palavra). É um romance, mistura de autobiografia e ficção. Relata sua infância e juventude, e os anos em que foi mulher de Naldo, chefe do tráfico na Rocinha dos anos 1980. E relembra a trajetória de sua carreira no tráfico na favela, após a morte de seu grande amor, em 1988.
O livro foi lançado em um festival literário recente no Morro da Babilônia, no Rio, onde Raquel recebeu a reportagem da BBC. “A literatura me liberou e me salvou da loucura”, conta.
Ela se mostra orgulhosa do que alcançou. Diz que a primeira edição do livro está esgotada. “Meu livro não é sobre uma ex-bandida que escreveu algo. É uma obra literária.”
Raquel descarta que o relato possa lhe trazer problemas com a lei, porque ela procurou assegurar que os crimes estivessem prescritos antes da publicação. “Eu nunca iria para a cadeia. Se ler o livro verá que tenho uma bala reservada para minha cabeça”, diz. “Uma coisa que nunca vou enfrentar na minha vida é o sistema carcerário.”
A Rocinha se impõe em meio a bairros ricos do Rio, o que a converte em ponto privilegiado para o crime organizado. Ali, Raquel se criou. Sua mãe era empregada doméstica em Copacabana e o pai, segundo a filha, era um “pedófilo”.

Raquel quando criança, antes de ser vendida pela avó a um chefe do jogo do bicho
Foto: Arquivo pessoal
Eles a deixavam trancada num barracão, sozinha por vários dias. Aos seis anos, escapou por uma janela e descobriu os telhados da Rocinha. Viu crianças empinando pipas, e também bandidos armados. E começou a se drogar.
Aos nove anos, sua avó, viciada em jogo, a vendeu ao homem que se converteria em seu “padrinho”. Então voltaram a prendê-la, dessa vez para trabalhar em um centro de umbanda. Mas em vez de encaminhá-la à prostituição, como ocorria com (mais…)
“Livro não dá dinheiro, só da Ibope”
0Para autor da periferia, a elite e a imprensa conseguem fazer com que o povo fique contra o povo. “O culpado é a vítima. Sempre”
Marina Rossi / Antonio Jiménez Barca, no El País
Título original:“Até hoje eu não sei o que é pior, a igreja ou a droga”
“Vocês não vão fechar a minha loja, né? Aqui é o meu ganha pão”, perguntou Ferrez, ao ver o cenário que o fotógrafo montava para fazer a foto ao lado, ocupando casi todo el espacio. O escritor acabava de chegar, pontualmente no horário combinado para essa entrevista, à sua loja, a 1DASUL, no Capão Redondo. O bairro, que fica a mais de uma hora de distância do centro de São Paulo, abriga a loja de roupas e acessórios que o escritor paulistano de 39 anos criou há 16 anos. “Livro não dá dinheiro, só da Ibope”, diz ele, que está prestes a publicar seu 11º livro, Os ricos também morrem, pela Editora Planeta. A pergunta, que assustou, foi seguida de piada.
Autor da chamada ‘literatura marginal’ ou ‘literatura combativa’ – ou os dois, Ferrez começou a escrever aos sete anos, copiando trechos da Bíblia porque “era o único livro que eu tinha na mão”. Aos 12, escrevia poesia. Em 1997, lançou o primeiro livro de poemas. Seu pai, que foi motorista a vida toda, levou carne para a família comer pela primeira vez quando Ferrez tinha 15 anos. A realidade na periferia vivida pelo escritor é o que alimenta as linhas agressivas dos seus textos. Crítico e ácido, Ferrez é também irônico e engraçado, características muito expostas nos contos que serão publicados no novo livro.
Nasceu em Valo Velho, um bairro pertencente ao Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. Foi para o Capão com três anos de idade, onde vive até hoje com a mulher e uma filha. Não pensa em sair de lá, ainda que seja um dos bairros mais perigosos de São Paulo. Pouco após o término dessa entrevista, houve um assassinato em uma rua próxima de onde estávamos, segundo informava a rádio. Ferrez não cogita ir embora do bairro por duas razões. A primeira é que “aqui eu sou importante. Em outro lugar, eu não sou nada”. E a segunda tem a ver com a sua própria literatura e sua própria voz: “Daqui eu tiro o tom das minhas histórias”.
Pergunta. Seu novo livro é feito apenas de contos inéditos?
Resposta. Não, já publiquei alguns. Mas eu fiz esse livro para ser falado na rua, para ser uma piada. Eu queria sentir o que eu senti quando escrevi Capão Pecado (seu primeiro romance, publicado em 2000) e o Manual Prático do Ódio (2003), que é ver as pessoas comentarem sobre os personagens nas ruas…
P. Isso acontecia?
R. Muito. As pessoas me paravam na rua e diziam “meu, e aquela mina é mó pilantra, traiu o cara…” Eu ia nas escolas e os alunos me paravam para perguntar sobre um capítulo do livro. Me ligavam da cadeia pra perguntar do Manual Prático do Ódio. Me diziam “mano, não to entendendo, fala aí, o que que quer dizer isso?”. E eu dizia: mano, cê tá falando de onde? De [presídio] Presidente Bernardes? Para, to fora”.
P. E você queria que isso acontecesse de novo?
R. Sim, porque deu saudade de ver as pessoas comentando. O que eu tinha era isso, eu não tenho mais nada além de ver as pessoas lendo as minhas histórias e comentando comigo. Eu cheguei a escrever um livro com contos mais formais e tinha uns oito contos prontos.
P. Formais, você quer dizer com uma linguagem menos coloquial que essa sua?
R. Isso. E aí eu estava numa festa e queria fazer as pessoas rirem, e aí eu começava a dizer: você viu a história do Bolonha?, aí eu contava a história do Bolonha, as pessoas começavam a rir… E aí eu ia ler meus contos novos, esses mais formais, e ninguém prestava atenção. E eu falava: O que foi? E as pessoas: Conta a história do Bolonha, mano. Mas aquilo era uma brincadeira, eu dizia. Não, mas aquilo é mais da hora que isso aí. Aí eu escrevi esses contos e passei a ler eles nas escolas. A história do pintinho é a mesma coisa (um dos contos do novo livro). A história do ovo também é boa, onde eu vou as pessoas pedem. Na Alemanha já me pediram “conta a história do ovo”.
P. Mas são ficções então? Não são histórias reais.
R. Não, mas eu pego o tom das pessoas.
P. É por isso que você precisa viver aqui no Capão Redondo…
R. Isso. Eu não pego a história, eu pego o tom das pessoas. Se uma mulher passa aqui [na padaria onde estávamos] e diz “para de beijar o menino, tira essa boca de chupar rola do menino”, isso é muito foda! (risos) Eu tenho que escrever um conto com isso. Se você falar isso na escola, você ganha todo mundo. Eu fico convivendo com essa mulher dentro de mim e incorporo nos contos.
P. Mas você tem um tipo de literatura combativa…
R. Eu não fujo disso. Todo lugar que eu estou no mundo, quando estou falando de literatura combativa, tem autor que diz que não tem esse compromisso, que não é prisioneiro disso ou daquilo. Eu acho lindo isso, mas não tem como você escrever uma coisa, sair na esquina, ver um cara morto e não sentir nada. Se você consegue fazer isso, boa sorte. Mas eu não consigo.
P. Sim, mas é um eterno debate entre os escritores que não querem compromisso e os que querem mudar as coisas através da literatura, que é uma ideia velha… Na Europa, por exemplo, muita gente diz que ser combativo na literatura é uma ideia velha, ultrapassada…
R. Mas agora que a Europa está entrando em crise, talvez voltem a ser mais combativos. É que eles viveram da América Latina por muito tempo, sugaram tudo o que a gente tinha em termos de ouro, de madeira, levaram as nossas pedras pra lá pra fazer o chão onde hoje eles pisam, passaram séculos sem trabalhar. Agora, talvez eles voltem a ser combativos.
P. Você acha que os livros podem mudar a vida das pessoas daqui do Capão Redondo?
R. Eu tenho prova [de que isso é possível] todas os dias. Tem gente aqui que já está na segunda faculdade e o primeiro livro que leu foi o meu. Eu não sou salvador de ninguém. Mas não sou o contraexemplo também. O cara não vai me ver fumando maconha na rua, batendo na minha mulher. Eu lido com criança também. Eu faço livro pra criança e tenho um projeto pra criança. Se eu entrar para falar com a criança e estiver bêbado, que exemplo eu vou estar dando? Todo mundo bebe na favela. Não precisam de mais um. Todo escritor tem essa coisa de pagar de louco, beber, fumar. Mas aqui é outra realidade. O moleque apanha do pai que bebe. Então não dá pra ser assim. De vez em quando eu tomo uma cachaça com um amigo ou outro. Mas os caras aqui ostentam. Porque tudo pra pobre é excesso. Ele tem que beber e encher essa mesa de cerveja, pro vizinho dele ver e falar “porra, o cara tá abonado, bebendo 200 cervejas”.
P. Você disse no ano passado, em uma entrevista, que “o rolezinho era só o começo”. No que mais deu esse movimento da periferia?
R. Eu acho que não é um movimento. É a aceitação de um novo país. É as pessoas estarem preparadas para entender que tem gente que ascendeu financeiramente e que tem que participar das coisas boas que aquela faixa de consumo pode alcançar. Ter acesso ao shopping faz parte, comprar tênis de marca faz parte, andar de avião faz parte. Tem um monte de coisa que faz parte, só que a gente [a periferia] tem um jeito diferente de fazer as coisas e essa elite vai ter que entender isso.
P. Todo mundo está falando da chegada de uma crise econômica nesse momento. Como você, que além de escritor também é empresário, sente isso? A crise chegou na favela?
R. Pra gente nunca foi fácil. Enquanto está todo mundo falando que está bem, pra gente sempre foi pior. Mas de dezembro do ano passado pra cá piorou muito. Hoje mesmo eu estava (mais…)