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Visite a biblioteca pessoal de Julio Cortázar
0Publicado no Marca-Página
Comparável a Jorge Luis Borges e Edgar Allan Poe em termos de inovação e originalidade, o argentino Julio Cortázar possuía uma biblioteca com mais de 4 mil livros.
Por meio do projeto La Biblioteca del Escritor Argentino, o Centro Virtual Cervantes organizou um dossiê com parte desse material e o disponibilizou gratuitamente na internet.
O acervo é classificado em livros autografados, com dedicatórias, com objetos, formatos curiosos e com anotações.
Entre as principais obras do escritor estão Bestiário (1951), Las armas secretas (1959), Rayuela (1963), Todos los fuegos el fuego (1966), Ultimo round (1969), Octaedro (1974), Pameos y Meopas (1971), Queremos tanto a Glenda (1980), Salvo el crepúsculo (1984, publicação póstuma) e Papéis inesperados (2010, publicação póstuma).
Viúva de Cortázar e Mario Vargas Llosa relembram a amizade dos três
0Aurora Bernández e o Nobel da Literatura peruano participaram de uma mesa de discussões
Publicado em O Globo
MADRID – Aurora Bernárdez, com seu cabelo branco, caminhou lentamento enquanto abria um caminho de sussurros. Foi até a mesa principal, sentou-se na cadeira, arrumou o vestido branco com estampas de guarda-chuvas, sapatos e mariposas para ouvir, em silêncio, Mario Vargas Llosa falar, ao seu lado, sobre o seu marido: Julio Cortázar. Escutava tranquilamente os elogios e as lembranças. Quando o Nobel da Literatura terminou de falar, ela o olhou e, após um suspiro, disse com um sorriso:
— Gostei muito de conhecer a Aurora e o Julio do relato que fez da gente.
Os risos das 67 pessoas que estavam no salão fizeram com que ambos gargalhassem também. Assim, foi oficialmente inaugurada a partida dos dois velhos amigos que se conheceram em Paris numa noite de dezembro de 1958. Agora, 55 anos depois, evocam não apenas essa amizade, mas também a do amigo mais importante até agora – aquele homem de cabeça raspada, de grandes mãos que se moviam ao falar, e de juventude implacável, que gozava da admiração de todos os que o conheciam. Naquela noite, o veterano Vargas Llosa estava conversando com um casal, surpreso com a inteligência de ambos e a facilidade deles para expressar ideias e trocar opiniões que fascinavam a todos. Só ao se despedir percebeu que se tratavam de Cortázar e sua mulher.
Com o tempo, o escritor argentino se tornaria um dos melhores amigos e um dos mentores de Vargas Llosa. E os convites que os Cortázar lhe faziam para ir à casa deles, em verdadeiros momentos de felicidade. Revelações inéditas de uma conversa entre dois amigos que, por vezes, enquanto adolescentes, se interrompiam, impulsionados pelo entusiasmo de contar o que fizeram, o que tinham andado fazendo, que memórias seguiam intactas em suas vidas. E como dois amigos, continuam se perguntando coisas que antes não atreviam, e que aproveitam a oportunidade agora na homenagem “Cortázar y el boom latinoamericano”, um dos cursos de verão de uma universidade de Madrid, organizado pela Cátedra Vargas Llosa.
As palavras abordam, por momentos, o “Jogo da amarelinha”. Entram e saem rapidamente dele. Abordam, também, como era Cortázar (“Uma das pessoas mais inteligentes que já conheci, com ideias muito originais sobre a literatura”, conta Vargas Llosa); como era a sua casa parisiense (“A entrada tinha um mural com recortes de jornais”); que autores eles tinham traduzido (Aurora traduziu Sartre).
Naquela noite de 1958, o mito e a lenda em torno de Cortázar já começavam a tomar forma. O Nobel peruano aproveitava o ensusiasmo de Aurora Bernárdez para entrar no jogo de verdade ou consequência. “É verdade que vocês foram submetidos a testes de tradutores da Unesco em Paris e conseguiram os dois primeiros lugares, e que lhes ofereceram um contrato permanente, mas que foi rejeitado, com o argumento de que preferiam ter tempo para ler a escrever?”.
— Sim. E talvez o primeiro lugar foi Julio quem conseguiu. E serviu para ele se curar do complexo de inferioridade. Embora, depois, quando fizemos o curso para obter a carteira de motorista, eu consegui primeiro.
Entre risadas, as anedotas se sucedem em Paris, Roma…
— Porque Julio, como todo argentino que se respeite, acreditava que o italiano era a sua segunda língua. Mas, não.
Sua modéstia era lendária. A viúva dele se lembra apenas de uma pitada de vaidade:
— Recém-chegado a Paris, trabalhou em uma distribuidora de livros. Um dia, chegou em casa e, muito sério, me disse: “Sou o que melhor empacota os livros”. E era verdade.
Mais risadas e anedotas que chegam à obra máxima de Cortázar, “Jogo da amarelinha”, cujo êxito varreu o mundo privado que os dois tinham construído e cuidavam com zelo. Ele se tornou uma figura pública.
— O livro caiu como uma bomba. Mas também teve adversários que estavam atentos a outro Cortázar: o dos contos, que não é mais ou menos melhor, apenas tem outra visão.
Até que chega a pergunta que todos os leitores de “Jogo da amarelinha” queriam fazer a Aurora Bernárdez: “É você que é Maga?”.
— Não — ela respondeu, com a voz suave.
Varga Llosa insiste: “Mas se há uma pessoa real, ela se parece com você?”.
— Não — disse, novamente sorrindo, mas, dessa vez, categórica. — Não acredito em nada disso. A Maga é um monte de palavras num papel. Pode haver muitas. Mas talvez possa ter sido inspirada numa amiga nossa. Mas ela se ofendeu porque achou que a palavra “maga” se referia a “bruxa”.
Cortázar, segundo Vargas Llosa, é um desses autores de grande generosidade. Dava sugestões, por exemplo, sobre os manuscritos que jovens escritores lhe enviavam. “Tinha uma integridade intelectual e literária que nunca abandonou”. Mas o mundo mudou Cortázar, concordaram Bernárdez e Vargas Llosa, alguns anos depois de “Jogo da amarelinha”, por causa de viagens que fez a Cuba e à Índia, em 1968, de acordo com a viúva:
— Na Índia, tomou consciência da dor de estar vivo. Foi quando descobriu que o homem sofria demais. Ficou cada vez mais politizado. Logo foi para a Argentina, onde havia uma história política lamentável, embora agora não seja muito melhor. Ele tinha enxaquecas. Foi a um médico que, depois de examiná-lo, lhe disse que não tinha uma doença, e sim um estado de espírito.
Finalmente, Vargas Llosa pergunta: “O que você acha que será de Cortázar, o seu legado?”.
— Não tenho ideia. Temos que esperar mais 50 anos. Acho que Julio estará no repertório de outros escritores ausentes que sempre estarão presentes.
Jorge Luis Borges: os livros podem ter nos emburrecido?
0Alessandro Martins, no Livros e Afins
Procurava alguns elementos para ir adiante no texto em que o Paulo tenta responder à eterna pergunta: por que, afinal, lemos?
Buscava alguma palavra de Borges que me desse uma luz, que mostrasse algo à frente no escuro caminho de lugares comuns que ora preparo.
Afinal, um dos maiores escritores que já tivemos por aí não cansava de dizer que sua maior ambição era ser um bom leitor tão somente.
Atirei no que vi. Acertei no que não vi.
Encontrei um texto José Nêumanne em que ele descreve seu encontro com Borges.
Achava que a invenção de Gutenberg era uma das maiores responsáveis pelo “emburrecimento” da humanidade. Ele gostaria de ter vivido no tempo dos copistas, aqueles monges medievais que anotavam com sua caligrafia bem desenhada os textos que seus colegas de claustro teriam de ler. O trabalho penoso dos copistas funcionava como um rigoroso sistema de controle de qualidade, a seu ver. A facilidade da publicação de textos impressos por tipos móveis o irritava: “Veja o que ocorre por causa da imprensa: imprime-se qualquer porcaria. Qualquer idiota escreve qualquer coisa. Você não acha isso um horror?”, perguntou-me, quase exigindo a confirmação. Claro que concordei – logo eu, pobre de mim, que vivo do que imprimo.
Claro que se, por um lado, o livro democratizou a manifestação da burrice pelo lado da produção, também tornou acessível a inteligência pelo lado do consumo.
Afinal, sem ele não conheceríamos Shakespeare ou Homero ou seja lá qual for o seu escritor preferido.
(publicado originalmente em 27 de janeiro de 2008)
Talvez eu nem conhecesse Borges. Podemos dar a essa declaração a licença do exagero didático, apesar de sua boa dose de verdade.
De qualquer forma, recomendo a leitura integral desse texto que ajuda a conhecer um pouco mais da personalidade e das idéias desse escritor argentino. Achei-o precioso.