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Tecelã da educação
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Mariana Bergel, na Folha de S. Paulo
Repetir de ano foi a primeira pequena tragédia na vida de Cybele Amado. Aos sete anos, a sobrinha-neta de Jorge Amado não conseguiu acompanhar o desenvolvimento de sua turma.
Para descobrir o que havia acontecido, a menina contou com uma rede, formada pelos pais, uma contadora de histórias e um piloto da Aeronáutica, e uma terapeuta.
Foi dessa forma que descobriu que o método de alfabetização usado em sua escola, o Casinha Feliz, baseado em figuras e fonemas, havia se tornado, para ela, uma “casinha infeliz”. Cybele, hoje com 45 anos, entendeu naquela época que trocava letras.
Conseguiu reverter o problema. Mais do que isso, revolucionou seu breve histórico escolar –de aluna repetente no começo do ensino fundamental, passou a líder de classe ainda antes do início do ensino médio.
Decidiu fazer o papel que outras pessoas haviam protagonizado em sua vida anos antes: aos 13 anos de idade, começou a auxiliar colegas de escola que tinham dificuldade em matemática.
Na adolescência, distribuía mingau nas ruas e visitava orfanatos e asilos para levar carinho a crianças e idosos.
“Eu tinha um amor gigantesco dentro de mim e uma vontade imensa de mudar tudo o que estava a minha volta, mas não sabia o que fazer com isso”, lembra Cybele.
Combinava essas atividades com outras de suas paixões –do grupo de teatro da juventude espírita, as aulas de balé clássico e dança contemporânea e a leitura.
Aos 17 anos, mais uma atividade entrou para sua agenda. A jovem havia sido aprovada no vestibular para a faculdade de pedagogia.
Foi logo no fim do curso que vivenciou sua segunda pequena tragédia –e justamente em um momento de suposta alegria, o Carnaval.
Decidida a fugir da folia da capital baiana, foi para a Chapada Diamantina, no interior do Estado. Mas lá, na vila de Caeté-Açu, no Vale do Capão, distrito de Palmeiras, não encontrou a paz que desejava.
“Na hora em que entrei em uma escola pública, fiquei em choque”, diz ela, sobre a precariedade das condições do local. Na volta a Salvador, chorou o caminho inteiro.
FORA DA CAIXA
A experiência foi tão marcante que, uma semana depois, quando o governo do Estado abriu concurso público para a contratação de professores na Chapada Diamantina, ela se inscreveu.
Quando foi aprovada, aos 21 anos, mudou-se para Caeté-Açu levando consigo apenas uma mala de roupas e três caixas de livros, arrecadados em uma campanha que mobilizou em Salvador.
Determinada a que os alunos aprendessem a ler e a escrever, começou como professora de língua portuguesa, mesmo se sentindo ainda despreparada.
Com a escassez de recursos –a escola não tinha nem papel sulfite–, transgrediu o currículo e levou as crianças para aprender fora da sala de aula. “Elas têm que ser menos passivas e mais ativas na aprendizagem”, diz Cybele.
A mudança para a Chapada Diamantina também alterou sua vida pessoal.
Ao chegar, ficou doente e foi consultar-se com o único médico da vila do Capão, o naturologista Aureo Augusto Caribé de Azevedo, 59. Casaram-se e ela assumiu como seus os dois filhos dele.
“Não é que eu não queria ter filhos, eu não pensava nisso. Quero cuidar de quem já está no mundo.”
Para isso, foi aprimorar-se. Fez pós-graduação em psicopedagogia e, em paralelo ao trabalho na escola, atendia voluntariamente crianças com dificuldade de aprender.
O fim dos anos 1990 foi intenso. Nesse período, com a Associação de Pais, Educadores e Agricultores de Caeté-Açu, iniciou um programa de auxílio a professores
Também criou, com 12 secretários municipais de educação e associações de moradores locais, o Projeto Chapada.
Em 2005, fundou o Icep (Instituto Chapada de Educação e Pesquisa), que contribui para a melhoria da qualidade da educação por meio do apoio à formação continuada de educadores e gestores educacionais, bem como da criação e da mobilização de redes colaborativas.
Pediu exoneração do funcionalismo público, assumiu a diretoria do instituto e ingressou no mestrado em desenvolvimento e gestão social na UFBA (Universidade Federal da Bahia).
DOCE GENERAL
Nesse tempo, perdeu 12 quilos por causa das madrugadas dedicadas ao estudo e às viagens nos fins de semana para o curso em Salvador.
Hoje, são 20 os municípios da região integrados ao Icep. “Precisamos acreditar que as pessoas são capazes de transformar sua realidade e de conquistar autonomia.”
Nos raros momentos em que não está trabalhando, Cybele ouve música clássica e dança sozinha em casa.
“Fico doente quando tem algum feriado prolongado. Trabalho de domingo a domingo.” Não é à toa que ganhou na Chapada o apelido de “doce general”.
Quem é ela?
Cybele Oliveira, 45, pedagoga, casada, dois filhos
Organização: Instituto Chapada de Educação e Pesquisa
Ano de fundação:2006 (Instituto Chapada) e 1999 (Projeto Chapada)
www.institutochapada.org.br/
*dados de 2012
A educadora Cybele Amado de Oliveira, 45, é mentora e principal líder do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa, que busca contribuir para a melhoria da qualidade da educação pública, por meio do apoio à formação continuada de educadores e de gestores educacionais, bem como da criação e da mobilização de redes colaborativas. Seu trabalho, que inova ao promover a formação de leitores e escritores autônomos no ensino fundamental 1, beneficia hoje cerca de 76 mil pessoas com forte influência em políticas públicas na Bahia e em Pernambuco.
Livro traz cartazes da resistência a ditaduras da América Latina
0Publicado originalmente na Folha de S. Paulo
O Instituto Vladimir Herzog promove hoje (6) o lançamento do livro “Os Cartazes desta História”, que reúne obras produzidas contra ditaduras na América Latina.
A publicação traz cerca de 300 cartazes, documentos e fotografias de movimentos de resistência aos regimes, produzidos entre os anos 1960 e o início da década de 1990.
O foco principal da obra é a luta contra a ditadura brasileira (1964-1985) e o movimento da sociedade civil após a Lei da Anistia, em 1979.
Organizada pelo jornalista Vladimir Sacchetta, a obra tem também cartazes de países como Argentina, Nicarágua e Guatemala — além dos anúncios criados no Brasil.
Traz ainda uma análise das composições feita por Chico Homem de Mello, pesquisador da área do design gráfico da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
A obra é parte do projeto “Resistir é Preciso…”, lançado pelo instituto no ano passado, que pretende resgatar a trajetória da imprensa durante a ditadura militar.
Em 2011, o grupo já havia publicado a obra “As Capas desta História”, uma coletânea de primeiras páginas de veículos clandestinos publicados durante a ditadura.
Também lançou coleção de 19 edições do jornal “ex-“, fechado pelo regime após reportagem que denunciava a morte de Herzog em 1975.
Cartaz “Liberdade para todos os presos políticos”, da Comissão Executiva Nacional dos Movimentos de Anistia. Ele faz parte do livro “Os cartazes desta história”, do Instituto Vladimir Herzog, que reúne obras produzidas contra ditaduras na América Latina
Cartaz “Até encontrá-los”, convocando para a Celebração Ecumênica pelos Desaparecidos Políticos Latino-Americanos em 1990. Ele faz parte do livro “Os cartazes desta história”, do Instituto Vladimir Herzog, que reúne obras produzidas contra ditaduras na América Latina
Cartaz “Nunca Mais! Mortos e desaparecidos”, do grupo Tortura Nunca Mais. Ele faz parte do livro “Os cartazes desta história”, do Instituto Vladimir Herzog, que reúne obras produzidas contra ditaduras na América Latina
Cartaz “Liberdade Nicaragua”, da Frente Sandinista de Libertação Nacional. Ele faz parte do livro “Os cartazes desta história”, do Instituto Vladimir Herzog, que reúne obras produzidas contra ditaduras na América Latina
Idoso de 69 anos faz Enem e busca diploma da USP em Piracicaba, SP
0Publicado originalmente no G1
Quem vê Augusto Roberto Cocina, de 69 anos, circulando pelos corredores de um cursinho pré-vestibular em Piracicaba (SP) logo imagina tratar-se de um professor ou de um funcionário antigo da instituição.
Mas assim que o aposentado de 1,73 metro de altura e poucos cabelos grisalhos entra na sala de aula e se dirige à carteira de costume, a diferença de idade em relação aos demais estudantes desaparece.
Prestes a completar sete décadas de vida, Cocina resolveu enfrentar o desafio de voltar a estudar e há três anos frequenta aulas preparatórias. O sonho é conquistar uma vaga no curso de agronomia na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), campus da USP (Universidade de São Paulo) em Piracicaba.
Antes de participar da primeira fase de um dos vestibulares mais concorridos do país em 25 de novembro, Cocina vai encarar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) neste final de semana como forma de treinamento, uma vez que a USP não contabiliza as notas da prova no processo seletivo.
O aposentado está entre os 932.493 inscritos para o Enem no estado de São Paulo. “A rotina de estudos é puxada para uma pessoa da minha idade, mas busco inspiração a cada novo caderno e apostila e conto com o apoio e a força jovem dos meus colegas de classe”, disse. Cocina mora em uma chácara em São Pedro (SP) e aluga um apartamento em Piracicaba, onde montou uma espécie de QG para estudar.
Rotina
Ele acorda todos os dias às 4h45, se arruma e vai de carro para o cursinho em Piracicaba, no bairro Alto. As aulas começam às 7h e de segunda, quarta e sexta acontecem apenas no período da manhã; já às terças e quintas, se estendem durante todo o dia. “Eu andava meio depressivo lá na chácara. Voltando a estudar e a ter contato com pessoas mais novas, fiquei renovado”, afirmou.
Faculdade
Entre o final da década de 1970 e o início dos anos 80, Cocina frequentou aulas em uma faculdade particular em São Bernardo do Campo (SP). O curso superior em química, no entanto, não foi concluído em razão da rotina atribulada.
Na época, ele morava em São Paulo (SP) e trabalhava no laboratório de uma empresa do ramo petroquímico. “Não consegui conciliar trabalho, estudos e família. Resolvi desistir da faculdade, mas prometi a mim mesmo que retomaria os estudos depois que criasse meus três filhos e me aposentasse”, contou.
Retomada
A aposentadoria veio em 1992, mas a retomada do sonho de conquistar um diploma universitário ainda demorou a acontecer. “Três anos atrás, com os filhos criados e ‘encaminhados’, comecei a correr atrás do prejuízo”, relatou o estudante.
E se engana quem pensa que o fato de ser o mais experiente da turma, que tem ao menos 100 alunos, alivia alguma coisa para Cocina. “Eu tenho que estudar mais que eles, que estão com a cabeça fresca do ensino médio. Eu fiquei 30 anos parado, mas me esforço bastante para acompanhar o ritmo da sala. E assim, passo a passo, busco concretizar meu sonho”, afirmou.