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Machado de Assis aparece em foto, ao lado de princesa Isabel, numa missa que homenageou o fim da escravidão
0Autores como Sidney Chalhoub, Alfredo Bosi, John Gledson e Roberto Schwarz mostram que o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas não era alienado
Euler de França Belém, no Jornal Opção
Durante anos, leituras apressadas e redutoras frisaram que Machado de Assis (1839-1908), o maior escritor brasileiro, autor do seminal romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” — que influenciou, entre outros, Philip Roth —, era politicamente “alienado”. Não era, claro. Mas sua sutileza verbal, sua linguagem apurada e irônica e sua ambiguidade à Henry James não são percebidas por leituras à realismo socialista. Sua prosa, cada vez mais estudada no e fora do Brasil, por expert como o brasileiro Alfredo Bosi e o britânico John Gledson, está sempre revelando coisas novas, descortinando seu tempo e, ao seu modo, dialogando com o futuro. Pode-se dizer que Machado de Assis passou a ser mais conhecido na medida que escritores começaram a “repeti-lo”, mesmo sem citá-lo diretamente, e os críticos passaram a lê-lo com mais atenção. Agora, os jornais revelam mais uma “surpresa” do criador de “Dom Casmurro”. Uma fotografia o mostra — tudo indica que se trata do escritor — numa missa campal realizada no dia 17 de maio de 1888, há 127 anos, em São Cistovão, no Rio de Janeiro.
Era uma homenagem à abolição escravidão e Machado de Assis estava presente — próximo da Princesa Isabel e do marido desta, o conde D’Eu. O portal Brasiliana Fotográfica ampliou a fotografia — 15 vezes — e, por isso, ficou mais fácil identificá-lo. A “Folha de S. Paulo” ouviu especialistas em Machado de Assis e eles concordam que a pessoa é mesmo muito parecida com o escritor.
“A foto é uma representação muito importante do contexto da época, e ainda demonstra que Machado estava próximo da questão abolicionista”, disse Sergio Burgi, coordenador de fotografia do Instituto Moreira Sales, à “Folha”.
Ubiratan Machado, autor do “Dicionário de Machado de Assis”, afirma que “a presença” do autor de “O alienista” na missa era “fato até hoje desconhecido pelos biógrafos”. O que prova que o autor que morreu há 107 anos — no ano em que nasceu Guimarães Rosa, o Machado de Assis do modernismo literário — ainda é um enigma e carece de novas pesquisas. O livro “Machado de Assis Historiador”, de Sidney Chalhoub, revela que o escritor tinha uma compreensão poderosa de seu tempo — inclusive (talvez sobretudo) da escravidão. Roberto Schwarz e Raymundo Faoro, nos seus clássicos, mostraram o tanto que Machado de Assis era atento ao seu tempo e o registrou com a finura do escritor, não com o registro às vezes seco e frio do historiador.
“Não bato o martelo de que é o Machado, mas realmente parece muito com ele”, disse Valentim Facioli, mestre aposentado da USP, à “Folha”. “Se for realmente ele, é mais uma prova para desqualificar as bobagens de que Machado era indiferente à escravidão. Sempre foi um abolicionista, mas à moda dele, sem militar em grupos ou comícios”, afirma. O livro de Sidney Chalhoub comprova, em detalhes, que as preocupações sociais de Machado são expostas, ainda que não de maneira engajada, na sua prosa perspicaz e antenada.
O pesquisador britânico John Gledson, um dos maiores machadianos internacionais, concorda com seus pares: “Parece realmente o Machado daquele período. Me surpreende que ele estivesse tão perto da princesa. Ele não era exatamente membro da elite, embora já fosse famoso na época”. Se foi uma jogada de “marketing” da princesa, tê-lo tão perto, o tempo mostra que foi um acerto. A fotografia indica que tanta a aristocrata quanto o intelectual plebeu tinham sensibilidade social e estavam conectados com os tempos ventos-tempos.
Arqueólogos anunciam descoberta de cemitério medieval sob universidade britânica
0Publicado em O Globo
RIO – Arqueólogos anunciaram nesta quarta-feira a descoberta de um dos maiores cemitérios hospitalares da Idade Média no Reino Unido, sob o campus da Universidade de Cambridge. De acordo com os pesquisadores, mais de 400 esqueletos foram encontrados, além de partes de cerca de mil corpos, de 2010 a 2012, durante os trabalhos de escavação na Od Divinity School, que fica na faculdade de Saint John, em Cambrigde.
As imagens divulgadas mostram esqueletos do século XIII ao XV, enquanto funcionava ali o Hospital de St John Evangelista, do qual a faculdade herdou o nome. A maioria dos corpos foi enterrada sem caixões, em fileiras dispostas entre caminhos no cemitério, o que indica que esse foi um local para enterrar pessoas pobres. Somente alguns adornos, como joias e objetos pessoais, foram encontrados pela equipe.
A escavação foi liderada por arqueólogos da própria Universidade de Cambridge. Segundo o líder da equipe, Craig Cessford, sementes de flores identificadas entre as covas sugerem que, na época, as pessoas já visitavam o local onde os corpos de seus parentes estavam enterrados. A equipe encontrou restos de seis gerações de pessoas, sendo que poucos esqueletos pertenciam a mulheres e crianças.
Todo o material encontrado vai ser armazenado na unidade de arqueologia de Cambridge, onde novas pesquisas serão realizadas.
Historiadores já sabiam da existência do cemitério desde o anos 50, mas os detalhes sobre o local eram desconhecidos até agora. Havia, pro exemplo, rumores de que as covas abrigariam restos de pessoas mortas pela epidemia de peste negra que assolou a Europa na Idade Média. Mas as primeiras análises das ossadas não identificaram indícios confirmando a hipótese.
Análise: Sevcenko usava Kubrick para descrever meandros da 1ª Guerra
0Vladimir Safatle, na Folha de S.Paulo
Aqueles que frequentaram a Universidade de São Paulo no final dos anos 1980 e começo dos anos 1990 lembrarão do entusiasmo com que os alunos de história falavam de um professor capaz de descrever os meandros políticos da Primeira Guerra por meio de um filme de Stanley Kubrick ou de fornecer a dinâmica econômica da produção cultural contemporânea discorrendo sobre o fechamento da Factory Records.
Este professor tão admirado por seus alunos chamava-se Nicolau Sevcenko. De fato, era difícil encontrar um estudante que não ficasse impressionado com sua forma de abordar a história cultural, articulando situações locais e globais para expor as tensões sociais do século 20.
Tal forma está presente em livros maiores da historiografia nacional, como “Literatura Como Missão”, “Orfeu Extático na Metrópole” ou ainda o volume “História da Vida Privada: da Belle Époque à Era do Rádio”, por ele organizado. Agora, com seu falecimento, o Brasil perde um de seus mais respeitados e versáteis historiadores.
Contador alemão criou ‘primeiro livro de moda’ no século 16
0Um contador alemão obcecado por roupas criou, no século 16, o primeiro “livro de moda” de que se tem conhecimento até hoje, registrando, em pinturas, os trajes que vestiu ao longo de quatro décadas.
Denise Winterman, na BBC
Documento histórico, as aquarelas, feitas por três artistas diferentes, estão reunidas em um livro exposto em um pequeno museu na cidade alemã de Braunschweig.
Segundo Ulinka Rublack, que pesquisa história na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, as pinturas são um dos mais singulares documentos já criados na história da moda.
O contador – tratado por outros historiadores como mero objeto de curiosidade – foi na verdade um inovador, que expandiu as fronteiras da moda, usando o estilo de se vestir como forma de autoexpressão, disse a especialista.
Seu livro revela que, no século 16, gostar de moda não era, como se pensava, exclusividade de famílias muito ricas.
Quem foi Matthaeus Schwarz?
Nasceu em Augsburg em 1497
Seu pai, Ulrich Schwarz, um mercador de vinhos, casou-se três vezes
Schwarz tinha 37 irmãos
Estudou contabilidade na Itália
Casou-se aos 41 anos e teve três filhos
Tornou-se um nobre em 1541
Morreu em 1574 aos 77 anos
Regras Sociais
Matthaeus Schwarz era o chefe de contabilidade dos banqueiros e mercadores Fugger, uma das mais importantes e ricas famílias da Alemanha no período.
Ele começou a registrar sua imagem em 1520, quando encomendou 36 pinturas com o objetivo de fazer uma retrospectiva de sua aparência desde a infância até os 23 anos.
Daí em diante, continuou encomendando desenhos de si próprio, vestindo suas diversas indumentárias, até os 63 anos. Ao todo, foram encomendadas 137 aquarelas.
Depois, pediu que todas as folhas fossem encadernadas, criando o que ficou conhecido como O Livro Schwarz de Roupas.
Segundo Rublack, esse comportamento chama a atenção porque, naquele período, na Alemanha, gostar muito de moda não era visto com bons olhos.
“Naquele tempo, vestir-se apropriadamente era algo que alemães ricos viam com seriedade, mas gostar de moda por si só era considerado tolo”.
A indumentária de uma pessoa era controlada por convenções sociais rígidas, que desencorajavam o luxo e a extravagância. As normas estipulavam o tipo de roupas e joias que uma pessoa podia usar, de acordo com sua posição social.
Schwarz e a Democracia da Moda
Schwarz trabalhava em regime de horário integral, mas gastava grande parte de sua renda com roupas.
Evidências históricas do período indicam que habitantes de áreas urbanas e rurais tinham interesse em roupas. Mesmo que só tivessem condições de comprar uma manga amarela, acompanhavam as novidades no mundo da moda e defendiam seu direito de vestir-se.
Temos de reimaginar esse período em cores diferentes e questionar argumentos tradicionais de que a moda só foi democratizada no século 20, ou de que no período anterior ao século 18 ela era, fora das cortes, monótona e pouco atraente.
Naquela época, como hoje, as pessoas usavam roupas para expressar valores e emoções. Por isso, a indumentária já podia ser um repositório de fantasias, desejos e ansiedades. Um homem como Schwarz tinha, por exemplo, de competir com outros homens.
O sociólogo francês Lipovetsky vê a moda como um motor da modernidade ocidental desde a Idade Média porque, segundo ele, ela explodia a tradição, incentivava o livre arbítrio, a dignidade individual e a formação de opinião. Vestir-se tem sido uma importante força histórica há muito mais tempo do que normalmente pensamos.
Ulinka Rublack, autora de Dressing Up: Cultural identity in Renaissance Europe
Schwarz tinha de tomar cuidado para não ultrapassar certos limites, mas ainda assim, inovava, brincando com seu estilo e explorando novos cortes, cores, tecidos e detalhes. Ele se divertia com suas roupas.
Um trabalhador não tinha permissão de se vestir de forma mais extravagante do que seus patrões e certos itens eram proibidos. No caso de Schwarz, havia uma complicação a mais: seus empregadores não queriam parecer “excessivamente ricos” e tentavam, conscientemente, vestir roupas mais simples, explicou Rublack.
Maria Hayward, professora de história com especialização em roupas e tecidos da Universidade de Southampton, Inglaterra, disse que Schwarz sempre encontrava um caminho alternativo:
“Se calças colantes muito enfeitadas eram proibidas, por exemplo, ele optava por mangas mais trabalhadas”.
E por trabalhar para mercadores importantes, tinha contatos e acesso a materiais diversos. Além disso, o contador empregava os mais talentosos artesãos. Naquele tempo, tudo era feito à mão, já que a máquina de costura ainda não tinha sido inventada.
Os custos eram altos. Schwarz não era rico mas ganhava bem e optou por investir grande parte de seu salário em sua aparência.
O resultado podia ser espetacular. Em uma das aquarelas, pintada pouco depois dele completar 26 anos, o contador veste uma espécie de meia calça branca ajustada, que cobre suas pernas e parte do tronco, e um doublet – peça usada na parte superior do tronco que era conectada à calça na altura da cintura.
Cores e Acessórios: Significados
Verde – sorte
Amarelo e vermelho – felicidade
Branco – fé e humildade
Preto – constância e sentimentos sombrios
Penas de avestruz – coragem masculina
Bolsa verde em forma de coração – busca por amor (veja na foto)
Alaúde – inteligência e sensibilidade artística (veja na foto)
Fonte: Dressing Up: Cultural identity in Renaissance Europe
Estava na moda fazer talhos no tecido por meio de um estilete afiado. Observações feitas por Schwarz revelam que seu doublet tinha 4.800 pequenos cortes.
As cores e acessórios que ele vestia também tinham significados específicos. O branco usado neste traje, por exemplo, representava fé e humildade.
Schwarz fazia dieta para manter seu corpo no padrão da moda naquele período e empregava pessoas que o ajudavam a se vestir todos os dias. Às vazes, era necessário costurar as roupas em seu corpo.
“Muito tempo era gasto arranjando-se as vestimentas para que tudo ficasse perfeito”, disse a figurinista e diretora da Schooll of Historical Dress Jenny Tiramani. “Frequentemente, um criado acompanhava o patrão para assegurar que a roupa estava impecável o tempo todo”.
Mensagem Política
Schwarz não apenas usava roupas para criar uma boa aparência. Eles as escolhia com cuidado por razões sociais e políticas. Por exemplo, para receber uma promoção ou cortejar uma mulher.
Após nove anos de forte influência do protestantismo na Alemanha, Schwarz vestiu, em sinal de lealdade ao catolicismo, um elaborado traje em vermelho e amarelo marcando o retorno, ao país, do imperador Carlos 5º.
“É fácil descartar Schwarz como um dândi em suas roupas coloridas”, disse Maria Hayward, professora de história da Universidade de Southampton.
“Mas ele usava roupas de forma inteligente para dizer coisas a respeito de si próprio. Os figurinos não eram apenas coisas que ele gostava de vestir, tinham significado e propósito”.
E o livro de Schwarz foi revolucionário também por outra razão, dizem os historiadores: ele inclui dois nus do contador, um de frente e um de costas. Schwarz tinha 29 anos quando as aquarelas foram pintadas.
“Naquele tempo, pintar nus em um contexto não religioso era extremamente raro, nus eram usados em contextos bíblicos e clássicos”, disse Rublack. Ela explicou também que não houve qualquer tentativa, nos nus, de melhorar ou embelezar o retratado. “As pinturas são um simples documento de sua aparência, sem roupas, naquele momento”.
Mesmo os trajes mais elaborados eram feitos em uma semana
A disponibilidade de mão de obra barata resultava em várias pessoas trabalhando para fazer uma única roupa
Salários absorviam apenas 5% do custo final
Matérias primas respondiam pela maior parte do custo, obtê-las era a parte mais difícil
A localização da Alemanha, na Europa Central, facilitava o acesso a materiais
Fonte: Professora Maria Hayward
Isso era algo sem precedentes na época.
“Eu estava gordo”, anotou Schwarz abaixo das aquarelas.
“Sua honestidade é tão impressionante e incomum”, disse Rublack. “As pessoas usavam pinturas para projetar uma imagem de si próprias, mas as pinturas de Schwarz não eram idealizadas. Ele era incrivelmente honesto em relação ao curso da vida, ao envelhecimento. Ele mostrava o que você não podia controlar e o que você podia”.
Schwarz deixou de registrar seus trajes a partir dos 67 anos. Ele tentou persuadir o filho, Veit Konrad Schwarz, a continuar o projeto. Veit chegou a encomendar 41 aquarelas de si próprio, mas abandonou a ideia após os 19 anos.
Por que Schwarz teria feito seu livro continua sendo um mistério. Após sua morte, o objeto foi passado de geração a geração, até ir parar no acervo do Herzog Anton Ulrich-Museum, em Braunschweig.