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Os segredos envolvendo o novo livro de Dan Brown
0A trama parece digna do criador de ‘O código Da Vinci’: isolados num ‘bunker’ na Itália e cercados por um forte esquema de segurança, 11 tradutores passaram sete semanas mergulhados em ‘Inferno’, nova obra do autor, que chega no dia 24 ao Brasil
Publicado em, O Globo
RIO – Livros secretos, códigos de segurança, armas de fogo, bunkers, informações ocultas. Na história a seguir, há tudo isso. E, embora se trate de Dan Brown, o autor de “O código Da Vinci”, não há ficção nenhuma aqui. Tudo começou no dia 18 de fevereiro, em um esconderijo subterrâneo vigiado por dois seguranças armados, apelidado de “o bunker”. Lá dentro, 11 indivíduos que não falam a mesma língua: ouvem-se frases em alemão, francês, português, espanhol, catalão e italiano. Dada a segurança da operação, o bunker fica no último lugar em que alguém iria procurá-lo: embaixo de um prédio frequentado diariamente por 400 jornalistas — o edifício Mondadori, sede da editora de mesmo nome, projetado por Oscar Niemeyer, às portas de Milão. Assim que entram no bunker, as 11 pessoas têm seus celulares apreendidos, bem como quaisquer outros dispositivos com que possam se comunicar com o exterior. Tudo o que têm é um crachá e alguns cigarros — para os que fumam. Lá fora, o dia. Logo vai nevar, mas o clima pouco importa quando se é obrigado a permanecer em um bunker durante dois meses, incluindo os domingos. Não interessa em quantas semanas os “reclusos” levarão a missão a cabo. Nenhum deles poderia abandonar o local definitivamente antes de 5 de abril. E, no dia de “relaxamento”, nenhum deles seria mais como antes.
Estamos falando de um mistério dentro do mistério: a gênese “europeia” de “Inferno”, o mais novo livro de Dan Brown, o quarto protagonizado pelo professor de História da Arte e Simbologia Robert Langdon, que será lançado no Brasil no dia 24 de maio, pela editora Sextante.
Os “reclusos” são os tradutores do livro (dias depois, dois editores se somariam a eles), chegados da França, da Espanha, da Alemanha, do Brasil e da Itália. A cada manhã, uma van particular os levava até o bunker. Todos trabalhavam ali, sem descanso, diariamente, até as nove da noite, quando novamente entravam na van e eram conduzidos de volta. Cada movimento deles era anotado num registro. Consultá-lo, agora, significa ter uma ideia mais precisa do seu dia a dia: “Pausa para fumar”, “Passeio rápido”, “Refeição”, “Olhar a neve”. Sim, a neve. Fabiano Morais, um dos tradutores do Brasil, nunca a tinha visto. Quando notou, através de frestas nas janelas, que caíam alguns flocos de neve, pediu para sair, para descobrir que efeito tinha.
Tudo aconteceu sob os olhares de guardas armados, segundo um rígido código de segurança: nenhum documento podia sair do bunker. Nenhum telefonema era admitido. Os computadores em que se faziam as traduções não tinham acesso à internet: havia terminais à parte, para pesquisas, vigiados por membros da segurança. Nenhum dos tradutores podia sequer revelar o motivo pelo qual estava ali: cada um tinha uma espécie de “álibi”, uma história para despistar os curiosos, que também não pode ser revelada, nem mesmo agora que a operação de tradução já está concluída e os documentos em papel (que, obviamente também eram secretos), destruídos.
Excessos? Não propriamente quando se observam os números: “O código Da Vinci” vendeu, em todo o mundo, 80 milhões de cópias (1,9 milhão só no Brasil). Ao todo, Dan Brown vendeu 150 milhões de livros (4,7 milhões no Brasil). Os dois filmes com Tom Hanks baseados em suas obras (“O código Da Vinci” e “Anjos e demônios”) renderam US$ 1,25 bilhões.
Aproximar-se do bunker, portanto, era impossível: só se pode reconstituir o que aconteceu nos dois meses de trabalho falando com os tradutores, depois de voltarem a suas casas. E a descrição de seu dia a dia mereceria — ela também — um romance.
— Viver em um bunker e dormir em um hotel, desconectados da realidade — explica Alejo Montoto, tradutor espanhol.
— Foi uma experiência verdadeiramente insólita, porque o nosso trabalho é muito solitário — acrescenta o alemão Rainer Schumacher.
— Éramos como marinheiros no mesmo barco — comenta o francês Dominique Defert.
— A experiência nos permitiu mergulhar completamente no livro de Dan Brown — explica Carole Delporte, também francesa. — Mas, estar distante da minha família por tanto tempo, foi fatigante.
Esthel Roig, tradutora catalã, terminou a operação exausta:
— Eu dormia em um hotel, no meio do nada. O resto era trabalho no bunker. Agora, só tenho vontade de estar um pouco com o meu gato.
Nicoletta Lamberti, a terceira tradutora italiana, acrescenta:
— Eu sofri, por não poder traduzir com a música a todo o volume. Meu outro hábito é trabalhar descalça: depois dos primeiros dias, muito formais, não fiz por menos. E ninguém se escandalizou.
Agora, com o livro já impresso e o primeiro capítulo já divulgado, sabe-se que, desta vez, o professor Robert Langdon se vê envolvido com uma organização chamada O Consórcio. Ele irá tentar decifrar um enigma que tem como pano de fundo o italiano Dante Alighieri, autor de “A divina comédia”. O resto é mistério…
10 MANDAMENTOS:
“Inferno”: Os tradutores não podiam falar com ninguém sobre a trama
Papelada: Eles não podiam levar para fora do bunker qualquer material sobre o livro, fosse impresso ou digital
Telefones: Celulares e outros instrumentos de comunicação eram vetados
Conexão: Dispositivos pessoais conectados à internet eram proibidos
Circulação: Não era permitido andar pelo edifício Mondadori, com exceção do refeitório e do café
Identificação: Os tradutores deviam estar sempre de crachá
Explicações: A equipe não devia falar sobre os motivos de sua presença no prédio
Acesso: Só tradutores, editores e seguranças podiam entrar no bunker
Idas e vindas: Eles deviam assinar um papel toda vez que precisassem sair do local
Pesquisa: Os tradutores podiam acessar a internet em computadores vigiados por seguranças
‘O sistema colocou uma máscara de ferro no mercado editorial’, diz André Schiffrin
1Iona Teixeira Stevens, no PublishNews
Começou ontem o Simpósio Internacional Livros e Universidades da Edusp. Na primeira mesa, André Schiffrin, da New Press, falou sobre conglomeração e monopólio nas mídias. Já o acadêmico Laurence Hallewell, da universidade de Columbia, contou sobre sua experiência como pesquisador da História do livro no Brasil. Paulo Franchetti, diretor editorial da Editora da Unicamp, refletiu sobre o papel das editoras universitárias.
André Schiffrin fez uma apresentação incisiva, lançando inúmeras críticas sobre o rumo da indústria editorial nos últimos anos. Comentando sobre a fusão Penguin Random House e a compra da Mondadori, ele ressaltou que a maioria dos grupos que possuem editoras têm outros interesses, maiores e mais lucrativos, como é o caso da Bertelsmann, News Corp, Pearson etc. O objetivo das fusões seria então “não perder tanto dinheiro com livros”. O resultado, segundo ele, são menos pessoas, e menos livros. “Hoje em dia as editoras têm mais contadores que editores. E não são os contadores que vão perder o emprego com as fusões”, disse o publisher, que possui 55 anos de mercado, “a Random house tem orgulho do fato de estar em cima de um cemitério de umas duzentas editoras pequenas, que hoje não passam de selos colocados nos livros na saída da linha de impressão” critica o editor.
Mas, para Schiffrin, a maior mudança no mercado editorial aconteceu quando os grupos passaram a exigir que todos os livros tivessem lucro: “Não podíamos mais dizer ‘vamos usar a receita do nosso best seller para financiar Foucault’. Todo mundo sabe que você tem que ir devagar com os livros importantes”. E isso afeta as editoras universitárias também. Schiffrin conta o caso da editora universitária de Oxford, na Inglaterra, cujos publishers devem ter retorno de 1 milhão de dólares pelos livros por ano. “Isso exclui livros difíceis e politicamente inovadores.” Ele lembra que , nos anos 50 e 60, o catálogo das editoras comerciais era similar ao das universitárias, e que hoje isso mudou. “Com uma indústria que publica milhares de livros por ano, é interessante entrar numa livraria e ver o que não está lá”, lamenta André Schiffrin.
A Amazon também não escapa de sua crítica: “A Amazon já declarou que quer ‘eliminar o meio de campo’, ou seja, as livrarias. Eles querem, com os preços que colocam nos livros, acabar com o paperback. E sem o paperback as editoras não se sustentam”. A previsão de Schiffrin é pessimista, ele acredita que no futuro haverá 5, 4 ou até 3 editoras em cada país controlando o mercado editorial: “O sistema colocou uma máscara de ferro no mercado editorial”.
O acadêmico Laurence Hallewell fez um apanhado de sua palestra sobre a aparição do livro, mostrando como a tipografia influenciou a expansão das línguas na Inglaterra, Itália, França, Portugal e Brasil. Também explicou a origem de seus estudos sobre a história do livro no Brasil. “A superioridade física e estética dos livros brasileiros em relação aos da região da América latina despertou meu interesse nesse mercado no país” disse Hallewell, em português correto e com sotaque que poderia ser ao mesmo tempo do Rio de Janeiro, Portugal e Goa. Ele concluiu a mini-palestra com o caso do da língua tupi guarani na indústria editorial nacional. “Esquecemos até quando o tupi guarani sobreviveu, e a importância que teve no início da colonização. O Brasil poderia ter tido destino igual a do Paraguai, expressando-se e sentindo o mundo pelo guarani e usando a língua velha da Europa pra questões de governo”.
Já Paulo Franchetti, diretor da editora da Unicamp, afirmou que não vinha como exemplo de sucesso, mas de problema das editoras universitárias brasileiras. Para ele, há duas diferenças entre as editoras comerciais e as universitárias. Primeiramente, a produção dos livros por docentes; o intuito de utilizar os títulos na sala de aula; o papel na formação de bibliotecas universitárias e a avaliação criteriosa dos pares caracterizam as editoras universitárias. Em segundo lugar está o retorno acadêmico, e não financeiro, que buscam as editoras universitárias, diferentemente de editoras comerciais voltadas para o mundo acadêmico. “Eu creio que as editoras universitárias de primeira linha possuem não um lugar concorrente, mas um lugar que ninguém mais ocupa, de formação de catálogo especializado e de intervenção no mercado de forma ‘anti-mercadológica’”. Franchetti também só vê interesse em editoras universitárias que publicam títulos com abrangência nacional, não apenas regional, e que ainda não compensa investir em livros digitais. “O custo de produção é muito alto, representa 30% de um livro em papel. O público é restrito, não temos como fazer esse investimento e ter o retorno com livro digital.”