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O Brasil das placas…e o Brasil das ruas
0O novo livro de Laurentino Gomes, ‘1889’, disseca o início da República. O que esse período pode ter de inspirador para o Brasil de hoje
João Gabriel de Lima, na Época
No romance Esaú e Jacó, Machado de Assis conta a história de uma placa – e, usando sua famosa “pena da galhofa”, zomba da Proclamação da República. No livro, o personagem Custódio encomenda um letreiro para seu estabelecimento comercial, a “Confeitaria do Império”. Ao saber que Dom Pedro II está prestes a cair, despacha uma mensagem para o pintor, pedindo que interrompa a confecção da placa: “Pare no d…”. A mensagem chega tarde demais, e Custódio tem de mandar pintar um novo letreiro. Pensa em mudar o nome da loja para “Confeitaria da República”, mas o novo regime não lhe parece muito sólido. “Confeitaria do Governo” – mas o que fazer com os clientes da oposição? No final, a placa que pendura sobre a porta de entrada leva um nome desprovido de controvérsia: “Confeitaria do Custódio”.
No livro 1889 (Globo Livros, 416 páginas, R$ 44,90), o jornalista Laurentino Gomes lembra que a Proclamação da República abriu muitos postos de trabalho justamente para eles, os fabricantes de placas. Logo depois que o novo governo tomou posse, 46 logradouros públicos mudaram de nome só na capital do país, o Rio de Janeiro. Até hoje, várias ruas e praças do país levam nomes de republicanos, ilustres ou desconhecidos. Da Praça Serzedelo Correa, no Rio, endereço de estabelecimentos decanos da boemia de Copacabana, à Avenida Benjamin Constant, em Campinas, onde ficam a Biblioteca Municipal e o Museu de Arte Contemporânea. Da Avenida Sena Madureira, em São Paulo, onde se situam várias clínicas e hospitais, à Avenida Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, endereço do mercado público e da popular Temakeria Japesca. Ironicamente, ou coincidentemente, várias dessas ruas – a começar pela Júlio de Castilhos – abrigaram passeatas no último mês de junho. É irresistível a pergunta: o que o Brasil das placas, que iniciou a República, tem a dizer ao Brasil das ruas, que pretende revigorar nossa democracia?
Algumas respostas possíveis estão em 1889, último capítulo da trilogia que tornou 1808 (sobre a vinda da família real portuguesa ao Brasil) e 1822 (sobre a proclamação da independência) best-sellers que venderam, somados, 1,5 milhão de exemplares. Como em suas obras anteriores, Laurentino pousa sobre a História um olhar de jornalista. O livro reconstitui, de maneira precisa e detalhada, fatos que todos acham que conhecem, mas na verdade poucos conhecem direito. Deles emergem os campeões de nomes de ruas. São três heróis improváveis que, no livro, protagonizam um enredo de quartelada bufa: Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Benjamin Constant. Três militares que em nada lembram os pais fundadores de outra república, a americana, inspiradora do novo nome do país: Estados Unidos do Brasil.
O marechal que fundou a República, Deodoro da Fonseca, na verdade não era republicano. Admirava o imperador Dom Pedro II e hesitou até o último instante em promover a mudança de regime. Outro militar, Floriano Peixoto, surge no livro como um agente duplo. Ajudante general do Exército, era o responsável pela segurança dos integrantes do governo imperial, a quem devia fidelidade. Ao mesmo tempo, conspirava com Deodoro contra os “casacas” – os líderes do poder civil. E Benjamin Constant, o ideólogo da República, tinha pouco da ideologia democrática dos “pais fundadores” americanos, como Thomas Jefferson ou Benjamin Franklin. Influenciado pelo filósofo francês Augusto Comte, achava que a República deveria, como o comunismo, iniciar-se com uma fase autoritária – uma paradoxal “ditadura republicana”.
Havia clima no país para uma mudança de governo. O imperador estava cansado e doente. O Império perdera o apoio de parte dos grandes proprietários de terra quando, em 1888, a princesa Isabel aboliu a escravatura. Perdera também o apoio da caserna, devido a um punhado de brigas regionais que ficaram conhecidas como a “questão militar”. Por que o poder foi parar justamente nas mãos dos republicanos, gente boa de pena, como os jornalistas Quintino Bocaiúva e Júlio de Castilhos, mas péssima de política? Existem várias explicações possíveis. A proposta por 1889 é que, no mínimo, eles agiram rápido e com senso de oportunidade. Uma ala dos republicanos recorreu a um general literalmente de pijama. Atormentado pela aterosclerose, o herói de guerra Deodoro da Fonseca, aos 62 anos, era o único capaz de unir o Exército em torno dele. A data do golpe, previsto para 20 de novembro, foi antecipada porque os republicanos tinham medo de que Deodoro morresse de uma hora para outra.
Inicia-se aqui o enredo bufo – e os percalços do Custódio do romance, que tinha razões para ficar desconfiado. Quando o velho marechal resolveu marchar, deram-lhe um cavalo cansado que não o derrubasse. Deodoro manteve-se na sela, liderou o levante, valeu-se da traição dos comandados por Floriano, tomou o poder do Visconde de Ouro Preto, primeiro-ministro de Dom Pedro II – e não proclamou a República. Ficou em dúvida entre atender aos apelos de Benjamin Constant e devolver o poder ao imperador Dom Pedro II, a quem admirava. Derrubou o governo e voltou para a cama. Segundo o historiador Hélio Silva, citado no livro, só se decidiu a proclamar a República quando soube quem Dom Pedro II cogitava nomear para o lugar de Ouro Preto, caso recuperasse o poder: o gaúcho Gaspar Silveira Martins. Deodoro e Silveira Martins eram inimigos desde que haviam disputado o coração da viúva Maria Adelaide de Andrade Neves, a baronesa do Triunfo. Silveira Martins, capaz de citar sonetos de Shakespeare em inglês, levou a melhor com a beldade, que ainda por cima era sua conterrânea. Deodoro, mais afeito à ciência militar que aos versos elisabetanos, nunca se recuperou da ferida no cotovelo. Segundo Hélio Silva, a República foi proclamada, entre outras coisas, por esse desejo de vingança pessoal.
A República trouxe inegáveis avanços institucionais ao Brasil. Na primeira Constituição, de 1891, foram reconhecidos três poderes independentes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Ao contrário do que acontecia no Império, o Executivo não podia dissolver o Legislativo quando bem quisesse. Deodoro, primeiro presidente do regime republicano, reclamou bastante desse item. O direito de propriedade foi aperfeiçoado, e o direito a voto foi estendido. Na prática, nada disso funcionou direito. Tanto Deodoro quanto seu sucessor, Floriano Peixoto, governaram de regime de exceção em regime de exceção, perseguindo a imprensa e matando os opositores.
O calculista Floriano, sempre retratado em cartuns como uma cobra ou um sapo, costumava dizer que havia momentos em que era necessário trancar a Constituição numa gaveta, para depois devolvê-la limpa à população. “Examinando a História em perspectiva, Deodoro, Floriano e Benjamin Constant são figuras menos relevantes que Dom Pedro II ou Getúlio Vargas, que deixaram realmente uma marca no país”, diz o historiador José Murilo de Carvalho, autor de dois clássicos sobre o assunto: A formação das almas e Os bestializados. E efêmeras. Depois de romper com estardalhaço, com direito a desafio para duelo, Benjamin Constant e Deodoro da Fonseca morreram, respectivamente, em 1891 e 1892. Floriano Peixoto morreu em 1895, pouco depois de passar o poder ao paulista Prudente de Morais, o primeiro presidente civil.
Outros brasileiros do século XIX, igualmente elevados ao status de nome de ruas, deixaram contribuição intelectual mais duradora. “Não deixa de ser irônico que as cabeças mais avançadas do período estivessem do outro lado, o Império. Casos de André Rebouças e Joaquim Nabuco, por exemplo”, afirma o historiador Marco Antônio Villa. Nabuco era um liberal cosmopolita, que acreditava em instituições que funcionassem de verdade – como na Inglaterra e nos Estados Unidos, países que conhecia e admirava. Laurentino cita em seu livro uma frase de Nabuco: “A escravidão não permitiu que nos organizássemos e, sem povo, as instituições não têm raízes, a opinião não tem apoio, a sociedade não tem alicerces”.
Sob o eco da frase de Nabuco, é o caso de voltar à pergunta inicial: o que o Brasil das placas tem a dizer ao Brasil das ruas? Com a palavra, Laurentino. Na última página do livro, ele lembra não as manifestações de junho de 2013, mas as de 1984 – que, segundo ele, fundam um novo período na República: “Ruas e praças de todo o Brasil foram palco de coloridas, emocionadas e pacíficas manifestações políticas, nas quais milhões de pessoas exigiam o direito de eleger seus representantes. A Campanha das Diretas, que pôs fim a duas décadas de regime militar, abriu o caminho para que a República pudesse, finalmente, incorporar o povo na construção de seu futuro”.
O Brasil de hoje ainda vive enredos bufos com consequências trágicas. É só pensar no mensalão ou nos escândalos do Congresso. Como diz Laurentino, é outro país. A começar por um fato: ao contrário dos tempos de “ditadura republicana”, em que a ameaça de quarteladas estava sempre no ar, somos responsáveis pelos políticos que elegemos. Se nos decepcionarmos, podemos retirá-los do poder mediante voto. Só 100 anos depois de 1889, depois de superar uma enraizada cultura autoritária, elegemos o primeiro presidente da nova fase. Se o Brasil das placas tem uma lição a dar ao Brasil das ruas, talvez seja esta: a democracia é uma construção demorada, difícil – mas quem foi às ruas lutar por ela sabe que o esforço vale a pena.
Papa abençoa a lista e Record sobe no altar
0Papa coloca sete livros na lista e Record assume 1º lugar no ranking das editoras
Cassia Carrenho, no PublishNews
A semana foi de destaque para o Rio e o Papa, e aqui na lista de mais vendidos não seria diferente. O Rio, pelo excelente desempenho da carioca Record, que deixou para trás a também carioca Sextante e assumiu o 1º lugar no ranking das editoras. Vale lembrar que recentemente a editora fez uma promoção com 400 livros com 50% de desconto, então não é milagre do Papa…
Esse, por sinal, tá mais famoso que o galã da lista de mais vendidos, Mr Gray. Essa semana cinco livros de sua autoria, ainda como cardeal Jorge Mario Bergoglio, e outros dois, sobre sua vida, entraram na lista. Só a Benvirá colocou quatro livros: A oração, Razão e fé, A solidariedade e A dignidade. Por aqui, nada de lama no caminho do Papa.
Já a distância entre o céu e o inferno diminuiu quase mil livros. O livro de Dan Brown, Inferno (Arqueiro) vendeu 9.221 e Kairós, do Padre Marcelo (Principium), 6.477. Uma diferença de 2.744 – a diferença semana passada era de 3.612.
Outras novidades da semana foram: não ficção, O capital (Civilização Brasileira), Francisco: o Papa dos humildes (Universo dos Livros) e O ciclo da auto-sabotagem (BestSeller); autoajuda, Seja a pessoa certa no lugar certo (Gente); negócios, Administração de projetos (LTC).
Centro cultural reunirá acervo literário de Erico Verissimo em Porto Alegre
0Cerca de 3 mil itens como originais de livros, cartas e desenhos ficarão à disposição do público para visitação e pela internet

Imagem de computador mostra como deverá ficar o espaço destinado a exibir espólio do autor gaúcho
Foto: Centro Cultural Erico Verissimo / Divulgação
Marcelo Gonzatto, no Zero Hora
Inaugurado em 2002, o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo finalmente começa a cumprir sua ambição original: tornar-se um centro de referência para público e pesquisadores sobre a vida e a obra do escritor gaúcho.
Entre o final de agosto e o início de setembro, cerca de 3 mil itens do autor de O Tempo e o Vento – incluindo originais, cartas e desenhos – serão disponibilizados para visitação e também para consulta pela internet.
O projeto, patrocinado pelo Grupo Gerdau e pela CEEE, combina duas coleções diferentes, que pertenciam ao doutor em Letras Flávio Loureiro Chaves e à família do jornalista e bibliófilo Mário de Almeida Lima, morto em 2003 – ambos amigos de Erico. O espólio reúne preciosidades como os originais de várias obras, incluindo trechos inéditos do livro de memórias Solo de Clarineta II e mais de mil páginas datilografadas e corrigidas à mão de O Retrato, segunda parte da trilogia O Tempo e o Vento.
– O Erico tinha um hábito de presentear amigos com originais ao terminar de escrever um livro, então esse material estava com o Flávio e a família do Mário Lima, entre outras coisas como cartas, desenhos – conta a diretora sociocultural do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (CCCEV), Regina Ungaretti.
A exibição desse acervo recém adquirido, que ocupará o sexto andar da instituição localizada na Rua da Praia, na Capital, ameniza o vácuo deixado pelo envio de outra parte da herança literária do escritor para o Rio de Janeiro. Em 2009, originais e outros documentos sob responsabilidade da família de Erico, mantidos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), foram remetidos para o Instituto Moreira Salles sob o argumento de que a instituição tinha à época as melhores condições de preservar o material. A remessa foi feita sob regime de comodato com prazo de 10 anos. Agora, com o lançamento do novo espaço, a família Verissimo já admite transferir de volta os cerca de 10 mil itens do acervo localizado no Rio ao final do contrato, em 2019 – o que ampliaria ainda mais a importância do centro gaúcho.
– O material que está no Rio pode vir para o CCCEV no fim do contrato, dadas as novas condições técnicas para sua conservação por aqui – diz Luis Fernando Verissimo, que participa nesta quinta-feira do talk-show Encontros com o Professor no próprio CCCEV.
No terceiro andar do prédio, haverá ainda uma exposição destinada a contextualizar a vida e a obra do escritor, com textos de apresentação de seus principais livros e espaço para crianças. A iniciativa, sob a curadoria do bibliófilo Waldemar Torres e da doutora em Teoria Literária Márcia Ivana de Lima e Silva, foi viabilizada pelo CCCEV e pela CEEE com apoio da Lei de Incentivo à Cultura (LIC).
– É importante destacar que o acervo foi digitalizado e será oferecido pela internet, com exceção dos livros, protegidos por direito autoral – afirma Alvaro Franco, diretor da empresa Backstage, responsável pela produção cultural da iniciativa.
Confira destaques do acervo
> Original de O Retrato (1951), segunda parte da trilogia O Tempo e o Vento. São mais de mil páginas datilografadas com emendas manuscritas.
> Folhas inéditas de pesquisa para escrever O Tempo e o Vento.
> 94 páginas originais, datilografadas ou manuscritas, de Solo de Clarineta II (1976) – memórias do escritor cuja transcrição e organização são de Flávio Loureiro Chaves, pois foram lançadas após a morte de Erico.
> Inéditos de Solo de Clarineta II: 12 páginas originais não foram incluídas pelo organizador no volume impresso das memórias do autor.
> Página pertencente à primeira redação de Incidente em Antares (1971), com anotações e desenhos do autor. Texto inédito que ficou fora da edição definitiva.
> Original de uma sinopse para o cinema de O Resto é Silêncio (1943).
dica do Jarbas Aragão