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Neta de Clarice Lispector ilustra livro clássico da avó publicado há quase 50 anos
0‘A Mulher Que Matou os Peixes’ – que tem um dos melhores inícios de livro da chamada literatura infantojuvenil – completará meio século em 2018
Bia Reis, no Estante de Letrinhas
“Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu. Mas juro a vocês que foi sem querer. Logo eu! Que não tenho coragem de matar uma coisa viva! Até deixo de matar uma barata ou outra.
Dou minha palavra de honra que sou pessoa de confiança e meu coração é doce:
perto de mim nunca deixo criança nem bicho sofrer.
Pois logo eu matei dois peixinhos vermelhos que não fazem mal a ninguém
e que não são ambiciosos: só querem mesmo é viver.
Pessoas também querem viver, mas felizmente querem também
aproveitar a vida para fazer alguma coisa de bom.
Não tenho coragem ainda de contar agora mesmo como aconteceu. Mas prometo que no fim deste livro contarei e vocês, que vão ler esta história triste, me perdoarão ou não.
Vocês hão de perguntar: por que só no fim do livro?
E eu respondo:
– É porque no começo e no meio vou contar algumas histórias de bichos que eu tive, só
para vocês verem que eu só poderia ter matado os peixinhos sem querer.”
Não há resenha que dê conta de fazer um convite melhor a esta leitura do que este começo de livro. Trata-se de A Mulher Que Matou os Peixes (Rocco Pequenos Leitores), de Clarice Lispector, e que foi relançado com novo projeto gráfico. Clarice já revela o final – confessando o crime – e provoca a vontade de entender porque outras histórias iriam influenciar na opinião do leitor, que tem todo o direito de perdoá-la ou não. É um “vai encarar ou não”?
Sorte de quem aceitar o mergulho. Sem nos avisar claramente, o livro é uma série de contos sobre relações da autora com bichos ou de outras pessoas ou até mesmo algumas aventuras entre os próprios animais. Tudo “verdade pura”, diria Emília. Nas histórias, de tudo um pouco: um amigo que criava uma rata e que foi comida por um gato; o cachorro Dilermando, que viveu com ela na Itália; uma ilha repleta de borboletas. Mas as duas histórias mais impactantes sem dúvida são a sobre a macaca Lisete e a briga dos cachorros Max e Bruno.
Clarice comprou a “miquinha” Lisete de um vendedor de rua, que “estava vestida com saia vermelha, e usava brincos e colares baianos”. Cinco dias depois, o animal dá sinais de doença e a família se dá conta de que a compra não foi lá muito responsável e que ela já estava doente antes e que o diagnóstico era o pior.
Mas a mais impactante, sem dúvida, acontece com um amigo da autora, Roberto, que tinha um cachorro chamado Bruno. O cachorro tinha um grande companheiro, outro cachorro vizinho chamado Max. Só que Bruno era extremamente possessivo com seu dono e, certa vez, Max foi fazer festinha para o dono do amigo e Bruno achou que era um ataque.
Para defender o dono, atirou-se em cima de Max, que não tinha culpa nenhuma. Mas Max, vendo-se ferozmente atacado, reagiu. E o resultado foi uma luta sangrenta.
A história continua como se fosse daqueles filmes sobre crimes recheados de vingança e fatalidade. Preparem-se: olhos arregalados das crianças cobrirão o mediador deste livro de perguntas!
Neste passeio por histórias de perda, Clarice não menospreza nem por um segundo a capacidade leitora e de elaboração cognitiva e emocional da criança. Só um exemplo do quanto ela trata a criança como leitor – não “futuro leitor”. Assume-se narradora e se coloca nas emoções e contradições da vida, como faz em A Vida Íntima de Laura e em O Mistério do Coelho Pensante.
A edição relançada pela Rocco este ano, no entanto, tem algo de ainda mais especial: as ilustrações e o projeto gráfico. A arte ficou por conta de Mariana Valente, neta da autora, que já tem seu trabalho publicado na obra para adultos de Clarice. As colagens há emocionam desde a capa, com uma intervenção a uma foto clássica de Clarice com as mãos no rosto, que tem tudo a ver com o sentimento dela de “vergonha” diante do crime cometido. Mas todo o livro é um deleite de imagens em colagens interessantíssimas por si só e emocionantes pela pesquisa realizada.
Conta a ilustradora no final do livro: “Adoro ‘criar memórias’. Adoro recolher materiais nostálgicos, cheios de histórias e carinho: fotos de pessoas, documentos, cartas, objetos pessoais desconhecidos encontrados em feiras de antiguidades”. “Para criar memórias deste livro, busquei inspiração nos arquivos da minha família”, continua Mariana, revelando que, por mais que já tivesse feitos trabalhos em livros da avó, este foi especial. “Esta história, escrita há mais de quatro décadas e dedicada aos netos, toca em questões que sempre assustaram a Mari pequena e a Mari adulta: morte e finitude. Acho importantíssimo falar sobre esses temas para crianças. Como fez Clarice, e como eu faço agora, em sua companhia, por meio de imagens. Com muita delicadeza, a mulher que matou os peixes nos aproxima daquilo que inevitavelmente teremos de encarar. Assim como vem sendo a minha relação com Clarice, minha avó, que mesmo sem tê-la conhecido me ensina a cada palavra.”
Das coisas que só a literatura nos causa.
O ‘pollo’ pulou no poleiro: tudo em casa
0Sérgio Rodrigues, na Veja
“A palavra puleiro – apoio de galinhas no galinheiro ou de aves em suas gaiolas – tem algo a ver com ‘pular’ ou é derivada do espanhol ‘pollo’ (galinha)?” (Kirsten Woltmann)
A consulta de Kirsten é tão boa que acerta até quando erra a ortografia: a palavra é “poleiro”, mas existe mesmo certo grau de parentesco entre ela e o verbo pular. Assim como entre ela e o pollo (“frango”) da língua espanhola e outras palavras que à primeira vista nada deveriam ter a ver com isso – como pimpolho e repolho.
Repolho? Sim, quem diria: frango com repolho pode ser ou não ser um bom prato, mas é certo que guarda uma medida de redundância etimológica.
O que todos esses vocábulos têm em comum é um ancestral latino de grande fecundidade: o substantivo pullus, “cria, rebento”, palavra que a princípio era usada para designar tanto “criança queridinha, galantinha, bochechuda, gordinha” quanto “burrico, jumentinho” e “pintainho, patinho, filhinho de águia”, nas palavras do dicionário Saraiva. Filhotes de espécies variadas, como se vê.
De todas as acepções clássicas, é legítimo supor que a de filhote de ave – em especial de galinha – fosse a que se conservava mais viva no latim vulgar, pois foi ela que passou às línguas neolatinas: além do já citado pollo espanhol, existe o poule francês (“galinha”) e o “pôlo” português, regionalismo açoriano que o Houaiss registra com o sentido de “falcão ou gavião com menos de um ano”.
Mas o velho pullus não se contentou com esses descendentes diretos. Também cresceu para os lados e, ainda no latim, deu origem ao verbo pullare, “brotar, germinar”, matriz do nosso pular, “saltar”. O que a princípio parece estranho, mas só até pensarmos na explicação oferecida pelo filólogo brasileiro Antenor Nascentes: ora, a planta que germina salta para fora da terra, não?
Estendida ao reino vegetal a ideia original de pullus, “rebento”, por tal caminho se fizeram em espanhol dois termos que o português importou: repollo e pimpollo, este destinado a retornar ao reino animal na acepção figurada de “criança pequena”.
A leitura seria nociva à saúde?
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© RIA Novosti
Anna Fedorova no Voz da Rússia
Desde os tempos em que os seres humanos inventaram as letras, aprenderam a juntar elas em palavras e escrever livros, o debate sobre os benefícios ou prejuízos da leitura não perde a intensidade no mundo.
Em todas as épocas, nunca faltavam adeptos e defensores da leitura: todos os homens de ciência, monges e iluministas apoiavam unanimemente a leitura, insistindo na necessidade da última para a formação de cidadãos integralmente desenvolvidos, capacitados a dirigir o Estado e servir fielmente a Pátria. Os mais radicais deles afirmavam que aquele que não gosta ou não quer ler não pode crescer uma boa pessoa.
Seria assim? Seria verdade que o “homo legens” é o melhor componente da sociedade? Se a leitura traz benefícios ou apenas prejuízos?
Para a saúde do ser humano, uma leitura desmesurada é, incontestavelmente, nociva, afirmam os “inimigos de livros”. Em primeiro lugar, a maioria dos bibliófilos usam óculos, pois têm problemas de visão por lerem em condições de luz escassa, deitados na cama, durante viagens no metrô ou ônibus. Em segundo lugar, em muitos amantes de livros são observados a curvatura da coluna vertebral e, como consequência, dores nas costas, nevralgias do ciático, escoliose e outros males. Em terceiro lugar, os “devoradores de livros” levam a vida sedentária e, portanto, em muitos casos têm peso excessivo, engolindo com prazer não só livros mas também os conteúdos do frigorífico. Além disso, entre os amantes da leitura estão bastante difundidas as enfermidades como dores de cabeça de etiologia variada, distonia vegetativa vascular e distúrbios nervosos. E algo mais: a imunidade dos amigos da leitura costuma ser várias vezes mais débil do que a de seus antagonistas, porquanto as “brocas dos livros” ou “ratazanas livreiras”, como os chamam depreciativamente seus opositores, uma maior parte do tempo passam em ambientes fechados e pouco passeiam ao ar livre. Durante certas épocas, havia inclusive persecuções do público leitor. Esse hábito era considerado como nocivo, porque supostamente causava dano ao Estado, socavava a estrutura social e estragava o relacionamento com os poderes.
O que pensam os cientistas sobre o tema em questão? Especialistas franceses do Instituto Nacional da Saúde e das Pesquisas Médicas chegaram à conclusão de que a leitura, sendo um fenômeno relativamente recente na vida do gênero humano, obriga o cérebro a adaptar para seus objetivos as regiões responsáveis por controlar outros hábitos.
Os autores do experimento formaram um grupo composto por 63 portugueses e brasileiros, dos quais 11 eram analfabetos, 22 aprenderam a ler já na idade adulta e os restantes 30 frequentavam na infância a escola. Vale notar que os cientistas propositadamente não escolheram “estudantes universitários eruditos” que em pesquisas neurológicas comumente constituem o núcleo do voluntariado. O resultado obtido mostrou que os hábitos de leitura se desenvolvem a expensas da capacidade de identificar rostos humanos.
Uma outra equipe de estudiosos verificou que o intelecto, que dizer, a faculdade geral de adquirir conhecimentos e resolver problemas, a qual engloba em seres humanos todas as capacidades cognitivas – sensação, percepção, memória, representação, pensamento, imaginação – e a quantidade de livros lidos pelo indivíduo não estão relacionados de maneira alguma entre si. Com outras palavras, o indivíduo pode ler muito, porém os conhecimentos dele não se tornarão mais vastos com isso, especialmente se ele lê para se divertir ou passar o tempo.
No processo de leitura, o cérebro humano obtém informação. Todavia, esta última muito frequentemente não só é inútil para a vida e para o intelecto mas também carece de qualquer sistematização. Durante a leitura para entretenimento, a qual não pressupõe uma análise interpretativa do texto lido, o intelecto permanece inativo e, por conseguinte, não se desenvolve. A fim de manter a inteligência em estado ativo, é necessário, para além de ler, ainda resolver problemas analíticos de diversa índole, incluindo quebra-cabeças. Segue-se a seguinte conclusão: a despeito de ter lido muitos livros, o indivíduo pode ficar absolutamente inadequado para a vida real.
A excessividade, como se sabe, é nociva em qualquer assunto. Não devemos esquecer que a leitura é um dos melhores meios para obter a informação. Aliás, as formas e os objetivos para os quais utilizamos essa informação dependem plenamente de nós próprios. Como ler corretamente, com proveito para si mesmo e para a saúde? – este será o tema de nosso artigo a seguir.