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‘Feminismo não é coisa do passado’, diz Paula Hawkins na Bienal
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Escritora participou de bate papo com o público na XVIII Bienal do Livro – Analice Paron / Agência O Globo
Autora de thrillers de sucesso, britânica falou sobre questões de gênero e violência
Publicado em O Globo
RIO â Em um encontro com leitores brasileiros na Bienal do Livro do Rio, na tarde deste sábado, a escritora britânica Paula Hawkins, nascida no Zimbábue, comentou os seus dois best-sellers, âA garota no tremâ e âEm águas sombriasâ (ambos publicados pela Record), e saudou a chegada de uma nova geração de autoras de thrillers, da qual ela faz parte e que seguem a trilha aberta por Agatha Christie. Nos seus romances, as protagonistas sofrem com episódios de violência e Paula afirmou que a luta feminista continua fundamental. A mediação foi da jornalista e escritora Frini Georgakopoulos.
â Eu sou feminista â disse a escritora, levantando a plateia que estava no Auditório Madureira, no Riocentro. âMas eu não preciso sentar para escrever pensando sobre isso. As coisas em que eu acredito entram naturalmente nas minhas histórias.
Para Paula, a ficção é um terreno fértil para tratar dessas questões.
â Eu me interesso por questões de gênero e violência. Esse é um problema no Reino Unido. A violência doméstica não está piorando, mas também não está melhorando. à um problema que persisti por décadas. Toda semana mulheres são assassinadas por seus parceiros. Não acho que o feminismo seja algo do passado, há muita coisa a fazer. Na ficção, é possÃvel entrar na cabeça de quem comete a violência, imaginar a vida dessa pessoa, de onde a violência vem.
A escritora falou também sobre a experiência de ter um romance seu, âA garota no tremâ, adaptada para o cinema. Paula é fã de Alfred Hitchcock e de séries de crime, como as nórdicas âThe Killingâ e âThe Bridgeâ, além, é claro, de âGame of Thrones â a autora pediu para a plateia não falar nada porque ela ainda não conseguiu assistir o final da última temporada. No caso da adaptação do seu romance, ela se surpreendeu ao ver os personagens ganharem vida.
â Foi incrÃvel, extraordinário e muito estranho (risos). à muito estranho ver os personagens que você criou andando por aÃ. Eu não estava envolvida na produção, mas visitei o set, conheci os atores â lembrou Paula. â Ao contar uma história em imagens você muda essa história e a maneira como você se sente em relação aos personagens. à preciso aceitar isso. O livro é o livro, o filme é o filme.
Paula Hawkins disse que já está trabalhando num novo romance. Sem querer adiantar muita coisa, ela disse que os seus leitores podem esperar âmuita morte e desespero, muitos personagens complicados, provavelmente mulheres complicadasâ.
â Eu espero que não demore muito para terminar â disse a autora. â Sou ambiciosa, quero que os meus romances fiquem cada vez mais complexos, mais pesados. Estou trabalhando para isso.
Arma, choque e socos: veja como a agressão na escola mudou a vida de professores
0Brasil está no topo do ranking da violência contra professores, segundo estudo de 2013 da OCDE. G1 ouviu a história de cinco professores sobre a vida depois do trauma.
Luiza Tenente e Vanessa Fajardo, no G1
Desistir ou insistir? O dilema sobre o que fazer com a carreira foi uma das consequências na vida de professores vÃtimas de violência no Brasil, paÃs que aparece no topo do ranking global das agressões, segundo a OCDE. Antes da agressão contra Marcia Friggi, professora em Santa Catarina, o G1 já havia reportado dezenas de casos em anos recentes.
Muitas vezes, as vÃtimas, por medo, não denunciam o abuso que sofreram. Por isso, não há sequer estatÃsticas atuais sobre o tema.
Abaixo, cinco professores revisitam suas histórias e explicam qual caminho escolheram: desistir ou insistir.
Agressão com arma de choque
CASO: Em maio do ano passado, o professor AnÃsio André Santos Júnior foi agredido com uma arma de choque por um estudante dentro de uma escola estadual na cidade de Esplanada, a cerca de 170 km de Salvador. AnÃsio machucou o nariz e sofreu várias escoriações após cair no chão, por causa da descarga elétrica que recebeu.
âA arma parecia uma lanterna pequena, ele usou no meu braço, eu não vi. Bati meu rosto, me machuquei. Fiquei 15 dias afastado. Dou aulas desde 2005, e, nesta escola, desde 2009. Continuo dando aula na mesma escola [Escola Estadual Celina Saraiva]. Na época, ela deu o apoio que eu precisava.
O aluno foi suspenso até a famÃlia se pronunciar, a famÃlia apareceu na escola. Ele retornou para a sala de aula, não foi justo eu passar por essa humilhação. Ele era menor, eu entrei com processo, mas parece que foi arquivado no Fórum de Esplanada. Ele era violento, já teve outro problemas. Tinha queixa de professores sobre comportamento dele. Ele voltou para a escola, mas não concluiu o ensino médio. Não sei o rumo que tomou.
“Não pensei em desistir porque escolhi ser professor. Não ia abrir mão do que acredito. Na época pensei em pedir transferência da escola, mas não era justo eu mudar a minha vida por conta de um adolescente que nunca entrou na aula para estudar.”
A violência na sala de aula está muito crescente. Muitos adolescentes estão ali só cumprindo tabela. Fora a agressão psicológica que vivemos constantemente. Sobre este caso da professora de Santa Catarina, e se fosse o contrário? Se a professora tivesse agredido o aluno, provavelmente estaria detida. Que Justiça é essa? Dois pesos e duas medidas?â
Chutes nas costas
O CASO: Em uma escola estadual de Rio Preto (SP), em março de 2016, Aparecido estava preparando um seminário sobre violência em sala de aula, quando viu um aluno com o celular na mão. Pediu para o estudante guardar o aparelho e ele se recusou. Diante disso, o docente encaminhou o jovem para a direção. O aluno, no entanto, esperou o professor na porta da sala e quando ele saiu, deu chutes e socos nas costas.
âDepois de ser agredido sem motivo nenhum, eu me sinto refém dessa violência que acontece todos os dias. Ainda trabalho na mesma escola, é uma escola de periferia, a diretora faz das tripas coração para tudo correr bem, mas é difÃcil.
Na semana passada, um professor foi agredido verbalmente. Estou tomando remédio para me acalmar e controlar o emocional, mas nunca precisei de nada disso. Dar aulas está muito difÃcil. O ECA não protege os professores, estamos abandonados.
Na época, não tive nenhum apoio, precisei pagar um psiquiatra porque o convênio do Estado não cobria. Primeiro abalou meu emocional, depois foi o fÃsico. Fiquei oito meses afastado. Tenho hematoma na perna esquerda. Uma das minhas vértebras foi comprimida pela violência do choque traumático.
Como eu tinha uma hérnia de disco, fisicamente nunca mais fui o mesmo. E na sala de aula nunca mais tive a mesma segurança. Continuo com medo. O menino passou 90 dias recolhido na Fundação Casa, agora está em liberdade, mas eu nunca mais o vi. â
“Já pensei em desistir de dar aulas. Fica difÃcil trabalhar em um lugar onde você não tem paz. Eu não estou lá para isso, palavrão eu ouço todo dia.”
Soco de um aluno de 12 anos
O CASO: Em Rondonópolis (MT), em maio de 2015, a professora Luciene Fátima Carloto, que atuava na coordenação pedagógica, levou um soco de um aluno de 12 anos dentro da instituição de ensino.
“(Após a agressão), tive dois meses de licença médica, sem vontade de voltar. No decorrer do tratamento fui percebendo que um aluno não poderia estragar minha carreira, que foi construÃda com dificuldades.
à horrÃvel. Uma sensação de impotência. Parece que meu diploma foi rasgado e o mais difÃcil é saber que as agressões continuam por este paÃs afora. Depois que eu falei publicamente do meu caso, parece que outras professoras resolveram falar também. Não falavam antes por vergonha ou por acreditarem que nada acontece??? As agressões são constantes, não digo apenas da fÃsica, mas principalmente da verbal.
“Quase que diariamente os professores são xingados pelos alunos, infelizmente ocorre uma distorção de educação e respeito. Os pais estão transferindo a educação familiar para a escola.”
Minha famÃlia deu apoio, sempre preocupada com meu estado emocional. Depois da licença médica, voltei e ao término do ano fui convidada pelos pares a candidatar à direção da escola, assim eu fiz e estou na direção desde 04/01/2016. Algumas pessoas falaram para eu aposentar, já que faltava pouco tempo, mas resolvi voltar e sempre fui tratada por todos com bastante cuidado.
Na escola, o caso foi tratado com muito cuidado e delicadeza, os pais ficaram emocionados com minha narrativa, pois expus em reunião geral antes de sair de licença. Eles precisavam ouvir de mim como tudo aconteceu, pois infelizmente alguns canais da imprensa acabam distorcendo algumas coisas. Nunca fui chamada para depoimento na delegacia. Apenas em uma ocasião no conselho tutelar, não fiquei bem, meu corpo tremia muito. Não sei por onde anda o menino. O final dessa história quem colocou um ponto final fui eu.”
Ameaçada por aluno armado
O CASO: Em 2009, Rosemeyre de Oliveira foi ameaçada por um aluno armado em uma escola estadual de São Paulo (SP). Não conseguia mais voltar para a sala de aula, então procurou tratamento psiquiátrico e foi afastada. Depois de várias licenças médicas, desistiu de exercer a função de professora e pediu para ser readaptada. Desde então, trabalha na secretaria de um colégio estadual. Em dezembro, encerrará seu doutorado sobre professores readaptados.
âEm 2009, fui ameaçada por um aluno traficante, que estava armado dentro da escola. Depois disso, tentei várias vezes voltar para a sala de aula, mas não consegui. à progressivo. Eu ia trabalhar à s 18h, mas chegava o meio-dia e eu já começava a ficar nervosa. Passei a nem atravessar a rua mais. Tive sÃndrome do pânico.
Até eu notar que precisava de ajuda, demorou um pouco. Fui à psiquiatra e ela me afastou. Na primeira consulta, eu só chorava, nem conseguia dizer que era professora. Foram licenças e afastamentos de 45 a 60 dias. Acabava a licença e eu não conseguia voltar. Até que decidi jogar a toalha e ser readaptada. Isso acontece com professores afastados, que voltam para ocupar uma nova atividade profissional, não mais em sala de aula. Eu, por exemplo, passei a trabalhar na secretaria de outra escola, cuidando dos prontuários dos alunos.
“A gente não é respeitado quando é readaptado. à assédio atrás de assédio. Vira só a âtia da secretariaâ, nem os colegas me veem como professora. Todos acham que estou fazendo corpo mole, fingindo que não consigo dar aula.”
Nas redes sociais, vi que vários outros professores readaptados passavam por constrangimentos â então decidi estudar sobre isso. Entrei no doutorado na PUC-SP, em linguÃstica aplicada, para investigar os sentidos e os significados do trabalho do readaptado. Defendo minha tese ainda nesse ano.
Casos como o meu vão continuar acontecendo, porque não existe punição para o aluno. Ele sabe que no máximo vai ser transferido para outra escola ou suspenso por alguns dias. Mas o professor não consegue mais voltar para uma sala de aula.â
Tiros na saÃda da escola
O CASO: Em outubro de 2012, M.L. foi abordada por um ex-aluno e por outros dois adolescentes no estacionamento da escola municipal onde lecionava, em São Paulo. Os jovens anunciaram que roubariam o carro da professora. Um deles disse “hoje você vai morrer” e atirou duas vezes em direção à cabeça da docente, mas a arma falhou. Na terceira tentativa, M.L. foi atingida na coluna. Ela foi operada para retirar a bala e tem sequelas motoras, neurológicas e psiquiátricas.
âEntrei em depressão pós-traumática depois da cirurgia. Não sei o que teria sido de mim sem meu apoio familiar. Porque não tive nenhuma assistência do Estado. Foi humilhante. Fiz quatro perÃcias, tenho toda a documentação e o Estado continua dizendo que devo R$ 14.800,00 â eles não consideram minhas licenças médicas, então querem me penalizar como se eu tivesse faltado no trabalho. Estou processando a prefeitura, pelos danos morais e materiais para pagar meu tratamento, e o Estado, para conseguir minha aposentadoria.
Não consigo ir para lugar movimentado, passeata, show. Só saio durante o dia, em lugar protegido. O professor não tem estrutura para exercer sua profissão – não tem apoio psicológico ou emocional.
Soube que os meninos que me assaltaram foram para a Fundação Casa na época. Três meses depois, foram soltos. Acho que um deles chegou a ser preso quando completou 18 anos, mas não tenho certeza. Se eu os desculpo? Sim, desculpo. Mas o trauma que isso me causou, eles não têm noção.
Sinto que a dor poderia ter acabado na hora do tiro. Pensei em me matar várias vezes, sou uma suicida em potencial. â
“As pessoas não imaginam o que acontece na escola pública. Apesar disso tudo, não me arrependo de ter investido na área de educação. Nasci para dar aula. à uma pena que isso não tenha sido valorizado.”
Após sete suicÃdios, livro â13 Reasons Whyâ é banido de cidade nos EUA
1Renato Marafon, no CinePop
A polêmica em torno de â13 Reasons Whyâ continua. Após várias escolas dos EUA anunciarem um boicote à série, o livro que deu origem à história foi banido de uma cidade no Colorado, EUA.
Após sete jovens se suicidarem em Mesa County Valley, as autoridades da cidade decidiram proibir a venda do livro â13 Reasons Whyâ em todas as livrarias da região.
Apesar de não saberem se os suicÃdios foram incentivados pela publicação, lançada em 2007, as autoridades decidiram que o livro não poderá mais ser comercializado temporariamente. Segundo eles, a trama romantiza o suicÃdio.
Recentemente, a série que adapta a história recebeu classificação indicativa para maiores de 18 anos na Nova Zelândia.
O Ãrgão de Classificação de Filmes da Nova Zelândia deu a alta classificação indicativa por registrar o maior número de adolescentes suicidas do mundo, com cerca de dois jovens cometendo suicÃdio por semana.
âNossos órgãos de saúde mental estão extremamente preocupados com o efeito que 13 Reasons Why pode ter na Nova Zelândia. A morte de Hannah é representada como algo lógico ao longo da série, e traz como consequência inevitável os eventos que a sucederam. Não podemos aceitar que o suicÃdio seja mostrado como uma opção viável. Além disso, temos uma péssima mensagem na série para os sobreviventes de violência sexualâ, afirmou o Ãrgão de Classificação de Filmes do paÃs.
Durante a semana, a Netfix renovou a série para sua 2ª Temporada!
Baseada no best-seller de Jay Asher, a série acompanha Clay Jensen (Dylan Minnette) que, ao voltar da escola, encontra uma caixa misteriosa com seu nome na porta de casa. Dentro dela, ele encontra fitas-cassetes gravadas por Hanna Baker â sua colega de classe e paixão secreta â que cometera suicÃdio duas semanas antes. Nas fitas, Hanna explica as treze razões que a levaram à decisão de acabar com a própria vida. Será que Clay foi uma delas?
A série tem produção executiva de Selena Gomez e episódios dirigidos pelo vencedor do Oscar® Tom McCarthy (Spotlight â Segredos Revelados).
Os 13 episódios deste drama jovem adulto já estão disponÃveis na Netflix.
Livros infantis no Irã glorificam violência, e isso não parece ser problema
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Publicado no UOL
Na República Islâmica, livros são submetidos a um rÃgido processo de aprovação. Mas a disseminação de atos violentos, mesmo na literatura para crianças, não parece ser um problema.
O cão era um traidor, um dos cúmplices do lobo-mau. A punição: execução for enforcamento. Foi o mesmo destino, em uma outra história, de um gato inimigo, derrotado pelos ratos. São cenas de contos infantis no Irã, paÃs onde cerca de mil pessoas foram executadas em 2015, muitas em público e na presença de espectadores.
Livros de entretenimento e romances são caros. Seus conteúdos são fortemente controlados e precisam ser aprovados por um conselho de supervisão do Ministério da Cultura. E livros infantis não são exceção: também precisam satisfazer os rÃgidos critérios estabelecidos para defender os valores religiosos do Irã. “Eu olho com muito cuidado o que eu compro para minha filha de 8 anos de idade. Tenho que me certificar que ela não receba livros que celebrem a violência”, diz a designer gráfico Shohreh.
Ela descreve um boom na literatura para jovens no Irã. “Livros infantis são muito mais vendidos do que todos os outros livros. Sei de muitos pais que preferem dar livros a seus filhos, embora eles próprios não gostem de ler.”
Violência à venda
Na vida real, as mulheres iranianas têm de cobrir os cabelos em público, mas podem vestir o que quiserem em casa. Nas ilustrações, no entanto, as mulheres devem ter lenços na cabeça independentemente da localização. Mulheres desenhadas sem um véu precisam ser redesenhadas caso o livro queira receber a aprovação para publicação e venda.
Essa aprovação pode ser revogada a qualquer momento, inclusive após o lançamento. “Livros infantis se tornaram muito mais religiosos. Há mais histórias envolvem mesquitas ou cerimônias religiosas”, diz Shohreh.
Ela afirma não estar surpresa que os livros que incluem animais pendurados sejam bem vendidos. “As pessoas assistem a execuções públicas e até mesmo levam seus filhos.”
Livros perigosos
Os iranianos preferem assistir à televisão. Livros não são particularmente populares, apesar de 80% da população serem alfabetizados. Dados oficiais, porém contestados, sugerem que iranianos leem 70 minutos por dia. Isso inclui livros didáticos e litúrgicos.
“A sociedade está sendo intencionalmente insensibilizada”, diz o advogado de direitos humanos e ativista dos direitos da criança Mohammad Mostafaie. Ele é especialista em casos referentes à execução de menores, que, em alguns casos, podem ser condenados à morte no Irã.
Mostafaie foi forçado a fugir do Irã em 2010, mas segue focado em exercer oposição à pena de morte em sua terra natal. Ele classifica a violência nos livros infantis como altamente perigosa para uma sociedade que carece de liberdade de expressão.
“EstatÃsticas mostram que a violência, particularmente no seio das famÃlias, aumentou fortemente”, diz. “E há muitas causas. Violência em público é certamente uma delas. Pessoas expostas a tanta violência não titubeiam em usar a força. Isso deve ser combatido e não celebrado.”
Redação do Enem 2015 ‘plantou uma semente’, diz Maria da Penha
0O G1 ouviu a vÃtima de violência que dá nome à lei abordada na prova.
‘Está na boca do povo agora’, disse a cearense, que hoje tem 70 anos.
Publicado em http://g1.globo.com/educacao/enem/2015/noticia/2015/10/redacao-do-enem-2015-plantou-uma-semente-diz-maria-da-penha.html
Enquanto 5,7 milhões de candidatos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) redigiam, na tarde deste domingo (25), uma redação com base na lei que leva seu nome, a farmacêutica e ativista cearense Maria da Penha Maia Fernandes, de 70 anos, era uma das cinco pessoas homenageadas no centenário da Editora Paulinas, no Recife. Foi durante esse evento que ela descobriu o tema da prova de redação do Enem 2015, da boca de uma das candidatas da prova.
“Uma menina que tinha feito o Enem se aproximou de mim, pediu uma foto e falou: ‘a senhora soube que a redação foi sobre a Lei Maria da Penha?'”, contou ela, em entrevista por telefone ao G1, nesta segunda (26).
“Fiquei feliz, o tema realmente está na boca do povo agora. Plantou uma semente”, explicou Maria, que é de Fortaleza e, em 1983, ficou paraplégica depois de seu marido tentar assassiná-la com um tiro nas costas, enquanto ela dormia. O agressor foi condenado, mas foi solto depois de cumprir parte da pena. Hoje está livre.
O tema da redação do Enem 2015 foi “a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, e provocou polêmica nas redes sociais.
A ativista afirma que não parou para pensar na quantidade exata de pessoas que fizeram a prova de redação, mas diz que ele é “muito significativo”, e um sinal de que “a lei está sendo comentada e conhecida na vivência de cada um e também na escola, porque despertou nas pessoas a necessidade realmente de conhecer o funcionamento da lei, e de entender mais profundamente a situação”.
Propostas sugeridas
Maria da Penha elogiou o conteúdo dos textos de apoio da prova de redação, que levantaram uma série de dados sobre a violência contra a mulher: números históricos sobre assassinatos de mulheres, tipos de violências mais denunciados no Disque 180, que, segundo o levantamento divulgado na prova, já recebeu 237 mil relatos de agressão contra mulheres, a questão sobre o feminicÃdio e estatÃsticas sobre a aplicação real da Lei Maria da Penha, que está perto de completar dez anos.
“Foram muito felizes os tópicos, deu um direcionamento no que o aluno pode escrever, e realmente o poder público precisa estar mais presente para que a lei funcione com mais rapidez e as mulheres possam evitar o assassinato de mulheres”, comentou ela, destacando um dos números apresentados na prova, o de que apenas 33% dos casos denunciados entre 2006 e 2011 chegaram a ser julgados.
Ao fazer o exercÃcio de sair do papel de “rosto da lei de combate à violência contra mulheres”, e se colocar no lugar dos estudantes que fizeram o Enem, Maria da Penha contou ao G1 que sua proposta de intervenção social teria duas frentes: a educação e as polÃticas públicas.
“[Minha proposta] seria a de investir na educação para conscientizar as pessoas de que as mulheres, em seus relacionamentos, têm que ter seus direitos humanos respeitados. A educação trabalha nesse sentido, do respeito ao outro”, explicou ela. “E também que haja uma mudança da cultura machista, com a criação das polÃticas públicas onde a mulher possa denunciar, possa ser protegida, e o seu agressor possa ser punido. A finalidade da lei é exatamente punir o agressor. A gente não quer punir o homem, a gente quer punir o homem que não respeita sua mulher.”
A candidata pernambucana do Enem que lhe deu a notÃcia do tema da redação comemorou o assunto da prova, que ela já conhecia. Mas a ativista explicou que mesmo estudantes que não estão próximos do tema puderam aproveitar a riqueza dos dados apresentados nos textos de apoio, que deram “um apanhado geral da gravidade do caso”.
Lei sozinha ‘não sai do papel’
Com a vida pessoal “praticamente inexistente” em nome da luta para “tirar a lei do papel” em todo o paÃs, Maria, que fundou o Instituto Maria da Penha para atuar na área, conta que passou a viajar muito pelo Brasil, e se deparou com muitos municÃpios onde os polÃticos não têm interesse em garantir o apoio do poder público à s mulheres vÃtimas de violência.
“Têm municÃpios que estão bem estruturados, e a população está cada vez mais consciente, mas infelizmente a cultura machista ainda interfere em muitos municÃpios, na falta de polÃticas públicas, falta de interesse dos polÃticos para que a lei funcione de verdade, que saia do papel.”
O motivo final de comemoração pela abordagem do tema pelo Enem, na visão dela, são os desdobramentos que podem ir além da nota que cada candidato ou candidata vai receber no fim deste ano, após a correção das redações. “Num futuro próximo, os estudantes que ontem fizeram o Enem vão ser os profissionais que vão atender os casos previstos na Lei Maria da Penha.”