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Professores listam seriados e filmes para estudar história

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Séries como "House of Cards" podem ajudar a entender contextos históricos, econômicos e até questões contemporâneas que pareçam super complexas nos livros

Séries como “House of Cards” podem ajudar a entender contextos históricos, econômicos e até questões contemporâneas que pareçam super complexas nos livros

 

Hugo Araújo, no UOL

Na sua rotina de escola ou cursinho pré-vestibular, provavelmente você deve ter aquele tempo de descanso em que assiste a seu seriado favorito ou vai ao cinema, não é? Essas estão entre as formas de diversão mais populares na correria entre escola, casa e obrigações.

Mas saiba que, enquanto você se diverte, dá para memorizar um conteúdo que aprendeu na escola de uma forma descontraída e humanizada. Você entende contextos históricos, econômicos e até questões contemporâneas, que podem parecer super complexas nos livros, por meio das histórias de personagens. É uma maneira divertida de estudar.

Danilo Zanetti, professor de história da escola Dínamis, listou seriados que retratam diferentes momentos históricos. Já Camila Alexandrini, professora de português e literatura da plataforma “Me Salva!”, selecionou filmes que tratam de questões contemporâneas. Confira a lista abaixo:

1. “House of Cards”

Para o professor Danilo Zanetti, o seriado é interessante para observar as questões políticas, a disputa de poder e as articulações nos bastidores do governo norte-americano. “É bom lembrar que estamos em ano de eleição presidencial nos Estados Unidos, então, assuntos relacionados ao País, como sua independência, Constituição, política externa e interna e a questão racial são frequentemente cobrados nos vestibulares”, diz.

2. “Anti-herói americano

A professora Camila Alexandrini recomenda o longa também para pensar sobre os Estados Unidos. Inspirado na história real do quadrinista Harvey Pekar, o filme, segundo ela, serve de ponto de partida para refletir sobre “a crise do sonho americano”. “Esse assunto tem sido bastante frequente com as eleições norte-americanas e a candidatura do republicano Donald Trump”, conta.

3. “Downton Abbey”

“A história deste seriado começa no dia do naufrágio do Titanic e acompanha as consequências do evento na vida de uma família nobre da Inglaterra. Podemos observar a Primeira Guerra Mundial, a luta pelo voto feminino, os conflitos políticos e a decadência do sistema social”, conta o professor Danilo Zanetti.

4. “Cidade de Deus – 10 anos depois”

A professora Camila Alexandrini recomenda o documentário “Cidade de Deus – 10 anos depois” para refletir sobre a questão negra. “Ele fala sobre os atores do filme ‘Cidade de Deus’, que são quase todos negros, e quais são as carreiras que eles tiveram dez anos depois. Em resumo, muitos não trabalham mais com televisão ou cinema ou, se atuam, é como um personagem que é ladrão ou morador de rua. Eles sofrem preconceito também no cinema”, explica.

5. “The Tudors”

Para o professor Danilo Zanetti, o seriado “The Tudors” ajuda a estudar a Reforma Protestante na Europa e a formação da Igreja Anglicana. “É uma série baseada na história de Henrique VIII, rei da Inglaterra e responsável por fundar sua própria igreja, além de se separar de sua primeira esposa para casar com outra, atitude impensável para a época”, conta.

6. “Transamérica”

Para refletir sobre a questão da transexualidade, a recomendação da professora Camila Alexandrini é o filme “Transamérica”. “Ele fala sobre uma transexual e todo processo pelo qual ela passa para conseguir a identidade, ser aceita na sociedade e também o quanto ela reproduz um padrão de mulher que talvez deveria combater”, afirma.

7. “Anos Rebeldes”

Esta série brasileira retrata o Rio de Janeiro durante o período da ditadura militar. “Ela tem uma visão romantizada e própria da classe média da época, porém mostra parte da realidade vivida no período da ditadura civil-militar de 1964, tema recorrente nos vestibulares e na nossa contemporaneidade”, explica Danilo Zanetti.

8. “Xingu”

O filme brasileiro “Xingu” pode ser interessante para aprender sobre a questão indígena, segundo a professora Camila Alexandrini. O longa narra a história dos irmãos Villas-Boas, durante uma expedição que percorreu a área central do Brasil nos anos 1940.

Professora usa rap e funk para ensinar História: ‘Não estudei para domesticar aluno’

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Ane Sarinara tem 27 anos e é professora há oito; é militante do movimento negro e feminista e, lésbica assumida, também combate o preconceito contra a comunidade LGBT

Ane Sarinara tem 27 anos e é professora há oito; é militante do movimento negro e feminista e, lésbica assumida, também combate o preconceito contra a comunidade LGBT

 

Renata Mendonça, na BBC Brasil

Um aluno entra na sala e coloca não o caderno, mas uma arma sobre a mesa. Outro salta pela janela do segundo andar, no meio da aula, para fugir de um traficante. Uma garota entra correndo e chorando após ter conseguido se livrar de dois colegas que tentavam abusar dela no banheiro.

O estresse causado por situações como essas já fizeram a professora Ane Sarinara, que ensina História na periferia de São Paulo, se afastar do trabalho e até pensar em desistir. Mas recentemente ela criou uma estratégia para envolver os alunos nas aulas: usar funk e rap para trazer um pouco do cotidiano difícil deles para a sala.

“A escola está completamente fora da realidade deles, e a educação, sem significado, não tem sentido nenhum. É aquela ideia: você finge que explica, eles fingem que entendem. São cidadãos que não gritam, que não berram, omissos, obedientes. Costumo dizer que não estudei para domesticar aluno. Querem que eu faça isso, mas eu não consigo”, conta ela à BBC Brasil.

Para quem questiona a opção por esses ritmos musicais, a professora de 27 anos, há oito na profissão, tem a resposta na ponta da língua: “os alunos gostam disso, é o que eles escutam e é a linguagem que eles sabem”.

Funk escrito por alunos de Ane do 1º ano do Ensino Médio na Fundação Casa

Funk escrito por alunos de Ane do 1º ano do Ensino Médio na Fundação Casa

 

Tudo começou com um estudante muito problemático, mas que era muito bom em algo: cantar funk.

“Outros professores tratavam isso como indisciplina. Só que eu sou da periferia, escuto funk desde que me conheço por gente”, lembra. “Sugeri que ele escrevesse um funk sobre a matéria – foi a forma que encontrei para ele fazer parte da aula.”

Quando o garoto apresentou o trabalho, ela percebeu que a tarefa havia “conquistado” não só a atenção dele, mas de toda a sala.

“Um dos meninos se ofereceu para fazer o beatbox (reprodução de sons com a boca e o nariz), outro pegou a lata de lixo, outros batucavam na mesa, batiam palmas”, recorda.

“Nisso, a diretora entrou para perguntar o que estava acontecendo. Para ela, parecia uma zona. Mas não era: a gente estava tendo aula.”

Resistência

Ane expandiu a experiência para além da música.

Uma vez, por exemplo, dividiu os alunos em dois grupos e criou um tribunal: o primeiro representaria a polícia e o outro, o tráfico.

“Na periferia, a polícia é muito mal vista porque chega sempre com violência. Mas a ideia era mostrar para eles que o tráfico, que é quem acaba fazendo as melhorias que eles precisam na região em que o Estado é ausente, não tem só coisas positivas.”

Mas fugir do “padrão” também trouxe problemas: diretores e outros professores reclamavam de que Ane era “liberal demais”, e que seus alunos saíam achando que “podiam fazer tudo” nas outras aulas.

Ocupação de alunos nas escolas de São Paulo no ano passado chamou a atenção de Ane: "Esses alunos estão gritando. Elas estão dizendo que não está dando mais. Que a escola nao está comportando o que eles precisam. E a gente está demorando demais para ouvir:"

Ocupação de alunos nas escolas de São Paulo no ano passado chamou a atenção de Ane: “Esses alunos estão gritando. Elas estão dizendo que não está dando mais. Que a escola nao está comportando o que eles precisam. E a gente está demorando demais para ouvir:”

 

“Eles diziam: ‘alguns pais estão reclamando, se eles forem na Diretoria de Ensino você vai ter que se retirar da escola’. E eu respondia: ‘não vou mudar, não estou fazendo nada de errado’.”

Além de não ter desistido, ela hoje aplica seu método também na Fundação Casa (instituição que abriga menores de idade infratores em São Paulo). Onde, aliás, enfrenta os mesmos problemas causados pelo modelo convencional.

“Quando entro na Fundação Casa, lembro das grades da minha escola. É igual. Não vejo diferença. A escola é uma prisão, a única diferença é que ela não tem seguranças. O resto é tudo igual. A mesma rotina, as mesmas grades, aquela lousa lá na frente, professor estressado.”

‘Cara de prisão’

Nascida e criada na periferia de São Paulo, Ane sentiu na pele os desafios que seus alunos têm no dia a dia.

Ela morava com a família em Jandira, na região metropolitana, mas aos quatro anos teve de ir morar em um orfanato na vizinha Carapicuíba. Viciado, seu tio passara a enfrentar problemas com traficantes, que ameaçaram a família toda.

No orfanato, conheceu o racismo, apanhou sem saber o porquê e enfrentou as amarras da escola, que para ela sempre teve “cara” de prisão.

“A escola era uma prisão, é uma grande jaula. Você joga as pessoas lá, transforma todas elas em máquinas de obedecer sem questionar, mostra um mundo fora da realidade delas. Era como eu me sentia dentro da escola: presa.”

Ane foi morar em Osasco – onde vive até hoje – e logo decidiu que queria ensinar. Mas com um objetivo: que seus alunos não sentissem o que ela sentia na escola.

“Pensava: como eu gostaria que tivessem me dado essa aula? Foi por isso que comecei a tentar essas coisas diferentes.”

E decidiu permanecer na periferia para “devolver algo” algo ao lugar que a criou.

“As pessoas costumam estudar e trabalhar para poder sair daqui. Mas eu não penso assim. Não tenho que sair desse lugar, eu quero transformar esse lugar.”

Cansaço

Mesmo com o discurso repleto de esperanças, Ane admite o cansaço – ela acredita que “não vai durar muito tempo” na profissão.

“Não tem nada de legal nessa profissão. Parece exagero, mas é isso. Você é humilhado todos os dias, não tem nenhum reconhecimento. O que motiva o professor nesse país é o ideal dele.”

Ela conta que, no decorrer dos anos, conseguiu bancar sua escolha de “mandar o currículo para o saco e fazer o que eu acho que tem que ser feito”. Mas reclama do peso da missão.

“Jogam toda a carga em cima do professor. Tenho que educar, dentro e fora da escola, socorrer aluno, salvar aluno, salvar a sociedade… eu tenho que ser perfeita. Mas enquanto isso, o sistema está me arrochando dos dois lados, e você fica sem saber para onde correr. Geralmente a gente corre para o banheiro para chorar.”

Ela diz cogitar abandonar a sala de aula por medo de sair de lá “de camisa de força”. E, após citar números de professores que cometem suicídio, conclui:

“Muitos colegas meus já tomam tarja preta pra conseguir dar aula. Não quero ficar desse jeito. Aí é que está a questão: eu não consigo me adaptar ao sistema. Mas aí todo mundo me diz: vai chegar uma hora que você vai ter que escolher entre ficar e se adequar ou sair. E está chegando essa hora já.”

Professora de filosofia se disfarça de faxineira para dar lição a alunos

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Thiago Varella, no UOL

Os alunos de agronomia teriam a primeira aula de filosofia no dia 6 de junho, começo do semestre. A professora parecia atrasada naquele dia. Já se passavam 20 minutos do horário da aula e nada de a docente aparecer.

Alguns alunos ficaram bravos com o atraso: “Que demora é essa? Que professora irresponsável que não chega… Ela atrasa, mas a gente não pode chegar mais tarde”, disseram os alunos, segundo Edenise Guedes, 43, a professora que fez essa provocação com os alunos do Instituto Federal Sertão Pernambucano, na zona rural de Petrolina (PE).

Guedes puxou papo com os alunos. “Primeiramente, perguntei qual aula era aquela. Me responderam que era filosofia. Foi então que perguntei: o que é filosofia?”, diz. “Um dos alunos, que estava irritado, chegou a dizer que era uma coisa que inventaram para reprovar estudantes.”

Edenise Guedes, 43, professora de filosofia

“Só fui desmascarada quando a assessora de imprensa do instituto entrou na sala para tirar fotos a pedido da coordenação 20 minutos depois do começo da aula”, conta Guedes.

A ideia de Edenise era provocar os estudantes: “Aqui na instituição, a equipe de limpeza é maravilhosa, mas os alunos passam, esbarram e nem veem. Chamei a atenção para isso”, conta.

Mesmo após revelar sua verdadeira profissão e de começar a falar sobre filosofia, alguns alunos ainda duvidaram. No fim da aula, uma das estudantes chegou perto da professora e disse que era “estranho vê-la vestida daquele jeito”.

Lição

“Naquela aula, expliquei a dificuldade que eles tiveram de me identificar dentro da sala. Na filosofia, o importante é ler o mundo em sua volta e perguntar como você quer ser percebido. Como docentes, a gente tem a necessidade de fazer o outro pensar. O desafio é esse. Aristóteles dizia que a verdade é o mundo que está a sua volta”, disse a professora que é formada em história e que dá aulas no ensino superior desde 2010.

Segundo Guedes, além da discussão, sua dinâmica teve o objetivo de fazer os alunos se interessarem mais pela filosofia.

“Nas aulas, a gente trabalha os temas de ética. Quando eu me proponho e, trazer um tema para os alunos, tenho a preocupação de que eles se apaixonem pela disciplina. Quando isso acontece, a aula fica mais leve. Também tenho o objetivo de fazer um uso prático da filosofia. Para mim, todo mundo nasce filósofo. O bebezinho começa colocando a boca em tudo e depois faz pergunta de tudo. E de repente, a gente para de agir assim. Em sala de aula quero rever isso e fazer com que os alunos voltem a questionar tudo”, explicou.

Como vetos à literatura ocorrem pela ação de gente culta

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O historiador, surpreendido com a censura brasileira, que intimou Sófocles a depor

O historiador, surpreendido com a censura brasileira, que intimou Sófocles a depor

 

Historiador americano Robert Darnton mostra como censores discriminavam um texto refinado de um embuste literário na França, Alemanha e Índia

Rosane Pavam, na Carta Capital

Nem mesmo em 1989 havia alguém tão especializado em Iluminismo quanto o historiador americano Robert Darnton. Eis por que o Brasil o chamava a palestrar sobre o bicentenário da Revolução Francesa. Então aos 50 anos de idade, pai de três filhos, erudito de Harvard e Oxford, ex-repórter policial do New York Times, autor de livros escritos com a clareza dos dias, pesquisados nas profundezas dos arquivos, Robert Darnton mal podia crer em tudo aquilo que presenciava na capital paulista.

Seus habitantes eram cientes do mundo ao redor. Os raios de sol, constantes. Os discursos, inacreditavelmente bem compostos pelo candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva. A ascensão do Partido dos Trabalhadores causava profunda excitação em qualquer historiador. E que livrarias São Paulo tinha.

Em agosto daquele ano, Darnton pegaria na capital paulista um voo para Berlim. Convidado por um instituto de estudos avançados, escreveria ali, por um ano, mais uma monografia sobre seu assunto de imersão. Antes partiria para Halle, na então Alemanha Oriental, para um encontro acadêmico. “Eu havia saído do Brasil, que era a luz, para chegar às trevas”, conta a CartaCapital por telefone a partir de Harvard, onde hoje é professor aposentado e dirige sua biblioteca, a maior entre as universitárias em todo o mundo. “Eu estava, então, na profunda Alemanha Oriental, sob uma atmosfera diferente e fascinante, nas suas cidades em que tudo era poluído, chovia o tempo todo e não havia energia elétrica à noite.”

Em A Vida dos Outros, a Alemanha Oriental vigiada

Em A Vida dos Outros, a Alemanha Oriental vigiada

 

Nem por um momento imaginou, então, que a divisão entre dois sistemas políticos estivesse prestes a se esfacelar. “Queria poder dizer a você que eu sabia antecipadamente que o muro iria cair, mas não tinha a menor ideia”, diz sobre o evento a selar o fim da Guerra Fria. Enquanto estudava a revolução burguesa ocorrida dois séculos antes, uma transformação de fato se dava diante de seus olhos. “O chão começou a tremer. Eu saía, assistia às manifestações, conversava com os habitantes. Assim que o muro caiu, em novembro, interrompi meu livro e passei o tempo a viajar para Berlim Oriental e a escrever artigos sobre o que via.”

Interessou-se pelos arquivos do regime e descobriu que fora distinguido por eles. “Um amigo alemão oriental me contou, em 1992, que eu tinha meu próprio dossiê na polícia política Stasi, citado como um ‘jovem burguês progressista’. Nunca vi esse arquivo. Mas o xingamento me divertiu muito, me pareceu elogioso.” Enquanto pesquisava, descobria um universo inaudito.

Os alemães-orientais não apenas censuraram livros. Eles organizaram um imenso sistema para encaminhar a literatura a seus propósitos ditos revolucionários. Os censores discriminavam um texto refinado de um embuste literário. Quando censuravam, às vezes impossibilitando a carreira de um autor, agiam como professores, o que de fato eram, advindos dos melhores cursos de Letras.

Darnton entrevistou dois desses censores, empenhado em mantê-los próximos com simpatia, conforme lhe ensinara a prática jornalística. Sentiu-se incrédulo que ainda advogassem a permanência do muro, este que mantivera distante dos leitores a realidade do país, apenas descrita nos livros se transcorrida ficcionalmente em países capitalistas (os personagens alcoólatras, por exemplo, tinham de ser americanos). A Alemanha Oriental do período, dos móveis às vestimentas e aos comportamentos, foi descrita em perfeição, crê o historiador, no filme A Vida dos Outros, de Florian Henckel von Donnersmarck.

Censores em Ação, lançado agora no Brasil, é o livro em que Darnton analisa, além do sistema alemão-oriental, o sofisticado veto britânico à produção literária indiana, no século XIX, ocorrido até mesmo contra os ideais libertários de expressão defendidos na Inglaterra, e a censura aos livros na Paris dos anos 1700, quando toda publicação, caso não pudesse obter uma autorização real para se efetivar, deveria tentar a sorte em Amsterdã ou Genebra. Darnton estuda como o diretor do comércio de livros comandava uma cadeia de censores e, com o apoio da polícia, restringia a ação dos livreiros clandestinos.

“Havia um inspetor especializado em literatura na polícia francesa. Ele passava todo o tempo a andar pelas livrarias. Refazia a trilha dos autores, conhecia os iluministas.” Darnton gastou horas a entrevistar, por assim dizer, os inspetores da Paris de 250 anos atrás. “A polícia francesa do século XVIII era muito mais sofisticada do que a americana do século XX, quando comecei no jornalismo.” O historiador perdeu o pai enquanto ele cobria a Segunda Guerra Mundial para o New York Times.

“Órfão aos 3 anos, cresci com a ideia de que ser um repórter de jornal era a melhor coisa que jamais se poderia fazer na vida.” Seu irmão tornou-se jornalista, e sua mãe, igualmente editora daquele jornal, sofreu quando Darnton constatou que os arquivos, com os quais aprendera a lidar em Oxford, davam-lhe muito mais satisfação pessoal do que relatar assassinatos e assaltos a banco. “Eu fui a ovelha negra da família. Me tornei apenas mais um professor universitário.”

Um professor que escreve como jornalista, imbuído das palavras nítidas, e que se propôs a analisar uma ação patrocinada pelo Estado, como subscreve o entendimento da censura. Em seu livro, descreveu casos duros. Na Alemanha Oriental, o editor Walter Janka, apesar de leal à ideologia em curso no país, passou cinco anos em uma solitária, autorizado a ver a mulher por apenas duas horas ao ano, apenas porque protegera George Lukács, um autor que caíra em desgraça no partido.

Darnton, contudo, ressalva que, nos três sistemas por ele estudados, quem cortava textos sabia por que o fazia. Os censores franceses concentravam-se mais em questões de conteúdo e estética e menos em ameaças à Igreja, ao Estado e à moralidade. Um censor que era teólogo atestou certa vez que um livro sobre história natural lhe parecia uma ótima leitura. Ele não conseguiu largar o livro, disse, porque inspirava no leitor “essa curiosidade ávida, mas doce, que nos faz continuar a leitura”. Darnton pergunta-se: “Será essa a linguagem que se espera de um censor?”

Por todo o ensaio, o que o historiador parece desejar é que se desfaça uma ampla relativização do conceito (a seu ver, a censura jamais se dá fora do âmbito estatal) e que ela não seja entendida de modo maniqueísta. “Convenci-me, depois da leitura das correspondências e dos memorandos internos dos censores franceses, que se tratava de indivíduos altamente inteligentes. Tinham boas relações com os autores, melhoravam os textos com sugestões. Tentavam defender a honra da literatura francesa. A censura no século XVIII francês foi positiva. Com a ressalva, claro, de que o Iluminismo não passava pela censura, pois era editado em libelos ou em publicações fora da França.”

Darnton lamenta conhecer pouco a história latino-americana. Contudo, enquanto produz um novo ensaio, em torno do vendedor de livros que, montado a cavalo na França de 1778, realizou uma Tour de France por livrarias, sua releitura de cabeceira é O Aleph, de Jorge Luis Borges. O historiador reage com espanto ao saber que no Brasil os censores nunca foram muito inteligentes. E que, na ditadura, convocaram o filósofo Sófocles a depor sobre uma montagem de Antígone.

Leitor das notícias do Brasil a partir do New York Times, Darnton também ignorava que uma decisão do Legislativo impediu recentemente os professores de Alagoas de opinar em sala de aula e que a Justiça havia proibido os estudantes de uma universidade pública de Minas Gerais a discutir o impeachment. Mais que isso, uma censura de mercado, fundamentalista religiosa, dificulta a impressão de obras tidas por blasfemas, como ocorreu a Gênesis, de Robert Crumb. “Meu coração fica com os brasileiros, porque vivem essa crise tão grande. Só posso me solidarizar com eles.”

10 livros interessantes para conhecer o mundo melhor

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publicado na Exame

Os próximos dias prometem ser de descanso intenso para muitos brasileiros com a chegada do feriadão. E que tal aproveitar os momentos de tranquilidade para colocar a leitura em dia com lançamentos imperdíveis?

Com isso em mente, EXAME.com selecionou dez livros, alguns já à venda no Brasil e outros facilmente encontrados para compra na internet, que tratam de temas globais e que podem lhe ajudar a desenvolver ainda mais a sua visão de mundo.

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“Um de nós”

Preço sugerido? 54,90 reais
À venda no Brasil? Pode ser encontrado nas principais livrarias

Lançado pela Editora Record no mês passado, esse é o novo livro da consagrada escritora e jornalista norueguesa Asne Seierstad, autora do best-seller “O Livreiro de Cabul” (2006).

Em “Um de nós”, Asne se propõe a investigar Anders Breivik, o extremista norueguês responsável pelo maior massacre na Noruega em tempos de paz. A obra tem como pano de fundo os atentados cometidos por ele em 2011 e que deixaram ao menos 77 mortos, mas se debruça em sua trajetória da infância até os dias de hoje.

Lançado há poucos meses, o livro foi comparado pelos críticos do jornal The New York Times às obras “A Canção do Carrasco” (1979), de Norman Mailer e vencedora do Prêmio Pulitzer em 1980, e “A Sangue Frio” (1966), de Truman Capote, e é um retrato do novo extremismo político europeu.

“Missoula”

Preço sugerido? Cerca de 50 reais
À venda no Brasil? Pode ser encontrado nas principais livrarias

O novo trabalho do consagrado escritor Jon Krakauer, de “No ar rarefeito – Um relato da tragédia no Everest” (1996) e “Na Natureza Selvagem” (1998), trata de um tema delicado: os casos de violência sexual nas universidades americanas.

Só na cidade de Missoula, que fica no estado de Montana, entre 2008 e 2012, 350 casos desse tipo de agressão foram investigados e descobriu-se que grande parte dos acusados eram do time de futebol americano da universidade local.

Lançado no início do ano nos EUA e trazido ao Brasil pela editora Companhia das Letras, o livro foi classificado pela crítica do jornal americano USA Today como “uma reportagem meticulosa, fascinante e perturbadora”. Para a revista Newsweek, “Krakauer prestou um excelente serviço ao tratar sobre esse tema”.

“Sapiens – Uma breve história da humanidade”

Preço sugerido? Cerca de 40 reais
À venda no Brasil? Pode ser encontrado nas principais livrarias

Título imperdível para aqueles que gostam de ler sobre a história da humanidade, esse livro de Yuval Noah Harari relaciona o passado com os fatos do presente e se propõe a interpretá-los sob diferentes perspectivas. O livro foi lançado no Brasil pela editora L&PM.

Harari é professor de História da Universidade Hebraica de Jerusalém e lançou “Sapiens – Uma breve história da humanidade” no início do ano passado. A obra se tornou um best-seller quase que imediatamente.

Para o escritor Jared Diamond, responsável pelo clássico “Armas, Germes e Aço” (1997), o livro de Harari “trata das maiores questões da história e do mundo moderno e é escrito numa linguagem inesquecivelmente vivída”.

“Guerra Secreta – A CIA, um exército invisível e o combate nas sombras”

Preço sugerido? Cerca de 40 reais
À venda no Brasil? Pode ser encontrado nas principais livrarias

Enquanto o mundo observa as guerras que devastam alguns países, outra guerra, tão intensa quanto essas, se desenrola às margens do conhecimento do público e de autoridades globais, com o aval da Casa Branca e por meio de operações da CIA.

Escrito pelo repórter do jornal The New York Times e ganhador do Prêmio Pulitzer Mark Mazzetti, esse livro se propõe a analisar as consequências do atentado de 11 de setembro em solo americano para a rede de inteligência e as transformações sofridas pela CIA, que foi de serviço de espionagem a uma espécie de força armada paralela cujo objetivo hoje é o de caçar indivíduos específicos considerados inimigos dos EUA. E isso, sustenta o autor, não é necessariamente uma coisa boa.

Lançado originalmente em 2014 e agora no Brasil pela Editora Record, “Guerra Secreta – A CIA, um exército invisível e o combate nas sombras” foi classificado pela Foreign Policy, a maior revista de relações internacionais do mundo, como “indispensável”.

“As vozes de Tchernóbil – a história oral do desastre nuclear”

Preço sugerido? Cerca de 40 reais
À venda no Brasil? Pode ser encontrado nas principais livrarias

No ano em que a tragédia de Chernobyl completa 30 anos, finalmente chega ao Brasil pela editora Companhia das Letras um dos mais importantes registros dessa catástrofe pelas mãos da consagrada autora ucraniana Svetlana Aleksiévitch, que o lançou originalmente em 1997 e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 2015.

A obra conta com relatos de pessoas que viveram na pele as consequências desse incidente e trata também da postura das autoridades soviéticas da época, que não imaginavam que estariam enfrentando os últimos dias da União Soviética.

“The New Odissey – The Story of Europe’s Refugee Crisis”

Preço sugerido? Cerca de 15 dólares
À venda no Brasil? Ainda não foi lançado no país, mas pode ser facilmente encontrado em sites especializados como a Amazon.

Escrito pelas mãos de Patrick Kingsley, correspondente internacional do The Guardian, esse livro trata de uma das questões mais urgentes da humanidade hoje: a crise de refugiados que já é a maior enfrentada no mundo desde a Segunda Guerra Mundial.

Kinglsey viajou por dezenas de países para testemunhar os dramas e os perigos enfrentados por essas pessoas e se propôs a montar um retrato fiel sobre quem, afinal, são os refugiados que transitam mundo afora em busca de uma vida mais segura.

Eleito pela Foreign Policy, a maior revista de relações internacionais do mundo, como Jornalista do Ano em 2015, Kinglsey pretende doar parte do dinheiro das vendas dessa obra, que ainda não está disponível no Brasil, mas pode ser comprada em inglês, para as causas relacionadas aos refugiados.

“Guantanamo Diary”

Preço sugerido? Cerca de 15 dólares
À venda no Brasil? Ainda não foi lançado no país, mas pode ser facilmente encontrado em sites especializados como a Amazon.

Esse livro é fruto dos relatos diários de Mohamedou Ould Slahi, preso pelos Estados Unidos em Guantanamo (Cuba) desde 2002 sem que tenha sido acusado formalmente. Nele, o mauritano Slahi, hoje com 45 anos, conta a história de sua vida, dos tempos de liberdade até o momento em que foi levado por autoridades americanas sob a acusação de ser parte da rede global terrorista Al Qaeda. Acusação essa que ele nega ser verdadeira.

Relata ainda o medo, a violência e a humilhação sofrida nas mãos de oficiais do país mais poderoso do mundo. Um comitê do exército americano encontrou evidências de que todas as informações obtidas de Slahi em seus interrogatórios eram fruto de sessões de tortura.

Classificado pelos críticos do jornal The New York Times como “um relato profundo e perturbador”, o livro se tornou um best-seller. Para a revista literária The New Yorker, Slahi conseguiu “se humanizar e humanizar seus guardas e interrogadores”.

Os abusos de Guantanamo são bem documentados em relatórios da CIA e esse não é o primeiro livro a tratar do tema, mas é o primeiro a ser escrito por alguém que testemunhou na pele as amargas consequências da desenfreada luta contra o terror dos EUA.

“Sophia: princess, sufragette, revolutionary”

Preço sugerido? Em torno de 20 dólares
À venda no Brasil? Ainda não foi lançado no país, mas pode ser facilmente encontrado em sites especializados como a Amazon

Nascida em uma família da realeza indiana em 1876, Sophia Duleep Singh foi criada no Reino Unido, era afilhada da Rainha Vitória e tinha tudo para se tornar um modelo da aristocracia inglesa. Não fosse o fato de que ela se tornou uma das maiores vozes da luta pelos direitos das mulheres no Reino Unido e ferrenha defensora da independência da Índia. E é a sua história o ponto central desse livro da escritora britânica Anita Anand.

Lançado em 2015, o livro foi descrito pela revista literária americana The New Yorker como um “raro olhar aos efeitos do imperialismo” e a história de Sophia foi chamada de “extraordinária” pelo jornal britânico The Guardian. É, sem dúvidas, um retrato das políticas coloniais da época, bem como das lutas pela igualdade de gênero.

“How did we get into this mess?”

Preço sugerido? Em torno de 20 dólares
À venda no Brasil? Ainda não foi lançado no país, mas pode ser facilmente encontrado em sites especializados como a Amazon.

Colunista do jornal britânico The Guardian, George Monbiot se dispôs a uma tarefa grandiosa nesse livro ao propor um questionamento do estado atual das coisas, passando pela crise de desigualdade que assola o mundo e incluindo a devastação do meio ambiente.

Para o jornal britânico The Times, “o que mais impressiona na escrita inteligente e elegante de Monbiot é a forma como ele pensa além do protesto e em direção às soluções realistas e representativas para os problemas da política e comércio internacional. ”

Lançado neste ano, o livro ainda não tem previsão de estreia no Brasil. Quem desejar, poderá encontra-lo para compra em inglês na internet.

“Connectography”

Preço sugerido? Em torno de 20 dólares
À venda no Brasil? Sua versão física ainda não, mas a versão eletrônica, em inglês, pode ser encontrada no comércio eletrônico do país. O título pode ser adquirido o em sites especializados como a Amazon.

A partir da tese de que a conectividade é a força mais revolucionária do século XXI, o livro quer explicar como a humanidade está reorganizando o mundo ao aproximar as megacidades por meio de rotas de transportes, energia e a infraestrutura de comunicações. A ideia é a de traçar as consequências disso para a geografia mundial, a economia, o meio ambiente.

Escrito pelo analista Parag Khanna, também conhecido pela obra “O segundo mundo: impérios e influência na nova ordem global” (2008), esse livro foi lançado em 2016 e foi descrito pelo jornal The Washington Post como “incrível” e classificado como “ousado” pela maior revista de relações internacionais do mundo, a Foreign Affairs.

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